Norambuena: O Plano

nota do autor: Bem, a história a seguir foi pensada como trilogia, divididas à la Euclides da Cunha. Porém, como só consigo escrever se já tiver o final definido na cabeça, este texto não teve a devida continuidade. Mesmo assim, decidi publicá-lo - apesar de ser considerado grande para um blog. Enfim, se depois de ler você tiver alguma idéia de final, coloque-a nos comentários. Quem sabe eu não continuo?

Acordou com o sol batendo no rosto, embora a fresta existente na cela de mais ou menos seis metros quadrados fosse mínima. Lembrou-se pouco da noite anterior, já que os dias pareciam se fundir devido à monotonia em que vivia na penitenciária de Presidente Bernardes, interior de São Paulo. Estava lá desde 2003, depois de ter sido condenado a 30 anos de prisão pelo seqüestro do publicitário Washington Olivetto.
Entre livros e o jornal diário, o chileno Maurício Hernandez Norambuena passava os dias lendo e rabiscando algumas coisas em um caderno brochura com a marca do Governo do Estado de São Paulo, provavelmente adquirido ou furtado de um dos carcereiros.
Na manhã daquela sexta-feira, ao abrir a Folha de São Paulo – conseguida com um dos vizinhos de cela - deparou-se com uma notícia sobre ele próprio. Dizia que ele tinha passado todo seu know-how aos traficantes do PCC (Primeiro Comando da Capital), responsáveis por ataques ‘estilo guerrilha’ nas ruas da maior cidade do país. A reportagem não estava de toda errada. Dizia que ele era amigo de Marcola e estava certa: o companheiro distava apenas três celas à esquerda da dele. Comunicavam-se quase que diariamente, por meio de códigos – outro acerto do jornal - e por bilhetes passados cautelosamente nos momentos de descuido dos policiais.Maurício Hernandez Norambuena - AFP
Ficou apreensivo ao saber que estava sendo acusado de ser mentor de uma série de ataques a São Paulo. Mas não gostou mesmo de ler, logo nas primeiras linhas, a palavra “terrorismo”, ainda mais precedida por “táticas de”. O que conversara com Marcola há quase um ano era sobre a luta revolucionária que se fazia necessária em toda a América Latina, não terrorismo. As táticas de guerrilha já eram conhecidas do líder do PCC e Norambuena apenas aconselhara utilizá-las neste momento, ao invés da desejada matança de policiais.
Dobrou o jornal ao final da reportagem, resmungou meias palavras em espanhol e foi ao ‘lavabo’ para molhar o rosto. Levemente barbudo e muito mais careca do na época em que fora preso, Jefatura – apelido dado pelos “irmãos” do Partido e que significa “chefia”, em espanhol – voltou ao colchão de três dedos de altura, pegou o caderninho e voltou à sua obra. Há alguns meses, vinha elaborando um plano de fuga da mais segura penitenciária do Brasil. O currículo de fugas do bandido chileno, vale lembrar, inclui cenas cinematográficas.
Há dez anos, Norambuena saiu do presídio de Santiago da maneira mais engenhosa possível: voando. Seus parceiros seqüestraram um helicóptero e rapidamente pousaram no pátio da prisão. Nora rendeu os carcereiros mais próximos minutos antes da saída para o banho de sol com um pedido singelo para ir ao banheiro. Alegou estar com o nariz sangrando e rendeu os guardas que o acompanhavam até a pia mais próxima. Atravessou o presídio acompanhado de cerca de dez homens e foi resgatado em segurança pelo helicóptero, que minutos depois do sucesso da operação, fora jogado contra uma montanha nos arredores da cidade.

Presídio de Presidente Bernardes: segurança máxima a 589km a oeste de S.Paulo - DivulgaçãoEntretanto, a fuga de Presidente Bernardes parecia muito mais ambiciosa do que aquela. Passava 23 horas enclausurado e as revistas eram freqüentes e rígidas. Cavar um buraco nem pensar, sair de helicóptero pior ainda. Havia meses que vinha pensando naquilo e seus miolos eram consumidos a cada dia. As opções eram descartadas dia a dia, mas Nora era persistente e não parava de estudar o cotidiano do presídio.
Observou a troca de turno dos carcereiros. Observou, não. Ouviu, porque as reforçadas portas apresentavam apenas uma janelinha para o corredor. Anotava todas as trocas e as freqüentes substituições nos funcionários, pois achava que a opção de fuga teria de ser por ali. Para ele, se errar é humano, uma hora algum deles teria de errar. Estava no Brasil desde o ano 2000 e sabia o grande câncer brasileiro: a corrupção. “De dentro para fora e de cima para baixo”, como costumava dizer.
Como medida de segurança, os carcereiros não mantinham contato com os presos. Trocavam poucas palavras nas poucas vezes que os atendiam. Isso tudo observado por câmeras de segurança dispostas em cada canto dos corredores. Os presos, como forma de intimidar, ameaçam e xingam os funcionários aos gritos. Ali, todos sabem, estão os mais perigosos e influentes marginais do país.
E era nisso que Norambuena apostava. A pressão sobre os carcereiros faria com que algum deles facilitasse ou ao menos desse alguma informação útil para a fuga. Passado quase um mês de observação e anotação, Nora entrou em contato com o amigo Marcola para discutir os últimos passos para a ação do plano. À noite e aos gritos, perguntou ao companheiro sobre novas observações e idéias para a fuga. Não obteve resposta satisfatória e expôs ao quase vizinho sua idéia. Entraram em consenso. A data seria 21 de julho, daqui a uma semana. Antes de dormir naquela noite, Norambuena ainda lembrou-se de outro fato que já habitava a história na data apontada para a fuga: o ataque terrorista a três estações de metrô e um ônibus em Londres, na Inglaterra. Encostou a cabeça no ralo travesseiro e repetiu o ‘mantra’ até pegar no sono. “Éste es que va a ser historia, éste es que va a ser historia...

autoria: Julio Simões - data: julho/2006

1 comentários:

Anônimo disse...

Sera que conseguiu sair do CRP de Bernardes? Claro que não, nem tentou! Esse verme vai morrer na cadeia, viva o RDD viva o CRP de Bernardes.