À imagem e semelhança

- Marisa, vem cá. Tem alguém que você precisa conhecer. – anunciou forte, ainda na porta.
- Calma, Nestor. Estou indo. – respondeu a voz da cozinha.
- Corre, menina...
- Diga, querido.
E enquanto se dirigia à sala, ainda com o pano de prato enxugando as mãos e o avental sujo de molho de tomate pendurado no pescoço, percebeu algo familiar.

- Marisa, essa é a Larissa. Irmã do Alfredo, lembra? – disse, animado com o encontro.
- Lembro... – respondeu sem palavras, olhando-a de cima a baixo.
- Então... ela é uma pessoa maravilhosa, trabalha na confecção da alameda Avanhandava, sabe? Ah! E cozinha um pene ao molho madeira que é uma beleza...
Ainda com os olhos semi-cerrados e cara de quem está diante do enigma da Esfinge, Marisa não teve palavras para continuar a conversa. Enquanto isso, Nestor não parava de falar. E com sorriso cada vez mais largo.

- É, Marisa, acho que ela é a pessoa certa. Por isso, vim apresentar a Larissa a você e aos meninos. Aliás, onde eles estão?
- Brincando na casa do Luizinho, no 371...
Marisa não tinha fôlego. Havia algo entalado na garganta. Passado
um pouco o susto, perguntou.

- Mas, Nestor... essa mulher é igualzinha a mim!
E era mesmo. Os olhos castanhos, o cabelo negro e liso, o corpo delineado e o sorriso contido. Tudo ali era dela – e copiado sem autorização. Afinal, ela não tinha irmãs.

- Olha, sabe que eu achei parecido mesmo? E ela também gosta de Friends, igual você, Marisa...
- Aí já é demais, Nestor. Friends e igual a mim não dá! Foi por essazinha que você me trocou? Não fazem nem seis meses que separamos e você já vem com uma dessas? Trate de tirar ela daqui. Ela e você, canalha!
E sob gritos enfurecidos da ex-mulher, era empurrado pelo corredor até a porta da rua. Larissa, a outra, não sabia o que fazer. Só ria baixinho – atitude que Marisa também faria em seu lugar. Passado a entrada de madeira e já no jardinzinho recém-reformado, Nestor ainda teve tempo de soltar um comentário.

- Pelo menos ela não deixa as calcinhas penduradas no chuveiro...
De dentro do carro, só viu Marisa enrubescer ainda mais.

Julio Simões - 22 de janeiro de 2007

Em tempo: A Paulicéia fez anos e nada de comentar ou ilustrar ou descrever, Julio? É, me falta tempo e vontade e dinheiro e sorte... Fico no parabéns, felicidade, saúde mesmo. Mas um dia hei de falar do Elevado Costa e Silva ao entardecer. Um dia, ok?

Tudo o que não podia ser

Sentiu o gosto amargo na boca logo depois de soltar o telefone. As palavras do outro lado da linha, molhadas e soluçantes, o haviam golpeado. Estava no chão. E mesmo assim mantinha-se de pé, ao lado do aparelho em pedaços, jogado no piso de madeira. As horas que passaram juntos, as cartas, os carinhos, o buquê de flor nas datas improváveis. Tudo aquilo estava agora jogado no ralo sujo, indo rápido ao esgoto úmido. O golpe era fundo, ao centro e definitivo.

“Não ligue mais”. Foi a única coisa que conseguiu pensar depois de ouvir o trágico “foi só um beijo” da boca dela. E mesmo assim estava ali, imaginando ela novamente. Era só isso que fizera nos últimos cinco dias. Desde então, o tempo passava e ela não o deixava. Pensou por um mês na figura que havia construído e que o telefonema destruira.

“Cinco meses e como ela estará”, perguntou a si mesmo olhando o teto. Torceu o pescoço ao aparelho no chão e encarou-o por longos minutos. Um ano e o telefone, enfim, toca. Insiste, insiste, insiste. Ele não atende e segue a vida. Tudo aquilo fora fundo, ao centro e definitivo.

Julio Simões – 12 de janeiro de 2007

Fim de tarde

Crédito: Julio Simões
Fim de tarde
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Ato final

Depois dos longos e dedicados anos, lá estava ela debruçada sobre a mesa de madeira, em lágrimas. “Você não merece”, repetia insistentemente em voz baixa, para si mesmo. Tinham se conhecido no teatro, paixão dela e curiosidade dele. Foi aos poucos, como ela gosta. Foi intenso, como ele quis. As primeiras semanas, então, foram recheadas de sorrisos e confissões. As seguintes, de cartas emocionantes e sinceras.

Os dois, quando juntos, sentiam o céu se unindo com a terra e transformando tudo num lindo arco-íris brilhante e único. E era assim mesmo, poético e surreal na medida certa. Eles se completavam como poucos: ela entrava com o carinho, ele com a atenção. Só que as belas histórias de amor não duram para sempre. Em um momento o roteiro se quebra e surgem as grandes decepções.

- Queria te falar uma coisa – começou ele, com a expressão de uma cena onde a câmera fecha no rosto preocupado e impaciente, em close.
- Fala, querido – completou ela, ainda não prevendo o pior.
- Já não sinto mais aquilo que sentia por você.
- Mas... como assim?
- Isso. Não dá mais.


As palavras do até então “amor de sua vida” lhe faziam desmanchar em lágrimas, as mesmas que molhavam a mesa de madeira agora. A carta, preparada com carinho para reacender os sentimentos na comemoração de dois anos de namoro, não valia nada. “Ele não merece uma linha do que escrevi lá”, dizia alto, já sem controlar suas emoções. De raiva, batia com os punhos fechados na mesa, tremendo o corpo como se sentindo o punhal.

Da outra parte, exatamente o contrário. Desde a revelação do desamor, não tinha parado sequer um minuto para pensar em tudo aquilo. Nada de consideração com o tempo oferecido a ela ou remorso pelo final infeliz da história. A preocupação pela situação passava longe. É, a vida é mesmo feita de imperfeições das quais resultam mágoas e lembranças como numa película fina de projetor. E a história que havia começado como um conto de fadas terminava ali como uma tragédia grega.

autoria: Julio Simões – data: janeiro/2007

Evolução

Tem alguma coisa diferente aqui. Sim, é o nome. Três meses e dez dias do lançamento e mais de mil visitas no contador, decido mudar o nome deste espaço. Explico. O nome Tira uma foto! foi bolado depois de horas a fio frente ao computador e tinha como mote a publicação de fotos tiradas pelo celular. O problema é que com o tempo e com a falta de imagens interessantes para postar, o nome passou a não fazer mais sentido.

Diante disso, decidi mudar. O método? Pelo comunicador instantâneo, contactei um amigo e leitor assíduo - aê Diegones - e pedi um nome. Como nenhum dos dois teve idéia válida, peguei o livro mais próximo (o clássico D. Quixote, de Cervantes) e perguntei uma página a ele - ao Diego, não ao livro. 174. Corri as folhas e procurei a mais interessante palavra. Alforje, Bendito Alforje. Belo nome, o problema foi a grafia. Podiam confundir o J com G ou ainda o L com U ou O. E ainda tinha o lado mercadológico da memorização.

Passei os olhos mais para cima e descobri a frase "senão o de satisfazer o estômago com os restos que do despojo clerical...". Sim, despojo, que já no dicionário descobri ser, entre outras coisas, fragmentos, restos.

Acepções (por Houaiss)
■ substantivo masculino
1. ato ou efeito de despojar(-se); despojamento
1.1 aquilo que servia de revestimento, adorno ou cobertura e que foi retirado ou caiu (p.ex., pele ou penas de animal, folhas de planta etc.)
1.2 Rubrica: termo militar. o que se toma ao inimigo; presa, espólio despojos
■ substantivo masculino plural
2. Tudo aquilo que sobra; restos, fragmentos

Pois ficou. Pensei em consultar a Ju Tonello, uma das quatro pessoas que acessa o blog, para saber a opinião. Infelizmente ela não estava online, mas vai deixar um comentário, isso vai. Pois bem, a partir de agora será assim. Interprete como quiser.

Lista de afazeres

Passados 11 dias do ano novo e uma semana de marasmo neste espaço, decido expor algumas coisas que pretendo fazer em 2007. Não é necessariamente uma lista. Tecnicamente, é. O problema é que eu costumo demorar um certo tempo para concretizar coisas bobas, porém necessárias. Foram dois anos e meio para trocar o número de celular e um ano e meio para substituir o tênis velho. É, eu sei, não devia ser assim. Só que ano novo é vida nova! Ou não...

  • Ler mais livros interessantes.
  • Aumentar a motivação pela faculdade.
  • Viajar para Argentina ou Machu Picchu.
  • Mudar a foto do orkut.
  • Comprar um cabo para passar as fotos do celular para o PC.
  • Ligar mais vezes para a minha mãe em Promissão.
  • Conhecer mais São Paulo.
  • Ir mais ao teatro.
  • Escrever mais (e melhor) ficcção.
  • Manter amizades antigas.

Vale dizer que esta "lista" não está postada por relevância ou qualquer outro tipo de ordem. São só desejos de ano novo sobre problemas velhos - e todos, admitam, passamos por isso. Não sei quanto tempo levarei para cumpri-los, mas se acontecer já tá bom. Em tempo: sempre desejo algo na virada, que elejo como sendo meu maior desejo para o ano. E digo já que o de 2007 não consta na listagem acima. Dá azar, sabe?

Pôr-do-sol

Sensível na medida certa. Engraçado na medida certa. Instigante na medida certa. Assim é Miss Sunshine, a Pequena Miss Sunshine. Tanto a personagem, com seus óculos redondos, bochechas fartas e sorriso simples, quanto a película, uma das melhores. Não indico o filme, não sou disso. É até melhor que se veja sem expectativas, despretensiosamente. Fica ainda mais gostoso. Pronto, está dada a deixa. Vá e purifique-se.


Pequena Miss Sunshine

(Em tempo: já passaram 1000 por aqui... aê!)