A crise dos 21

Sabe aquele momento em que você se pega ouvindo um programa estilo flashback - no caso, um chamado Jurassic Pan! - e percebe que conhece e até gosta da seqüência de músicas que toca?

Pois é. Aconteceu numa segunda-feira dessas...

Todo carnaval tem seu fim?

Há algum tempo eu vinha pensando em escrever sobre Los Hermanos. Só que como este espaço não é apenas um mural de anotações, precisava de um motivo para isso. E ele veio da pior forma possível, por meio de um comunicado no site da banda divulgado na última terça-feira, dia 24 de abril.

"A banda Los Hermanos comunica a decisão de entrar em recesso por tempo indeterminado. Por conta disso não há previsão de lançamento de um novo disco. A pausa atende a necessidade dos integrantes de se dedicarem a outras atividades que vieram se acumulando ao longo desses dez anos de trabalho ininterrupto em conjunto. Por conta dessa decisão, mesmo após o término da turnê do 4, resolvemos fazer duas únicas apresentações no Rio de Janeiro, na Fundição Progresso nos dias 8 e 9 de junho. Até lá."

Diante disso, resolvi tentar explicar em poucas palavras os motivos que me levaram a gostar dos barbudos. Como não encontrei uma forma simples, prefiro destacar a principal característica que me atrai: a sonoridade. Até hoje não consigo entender como eles conseguem casar tão bem o rock com as batidas de samba e letras sensíveis. Simplesmente fantástico.

Enfim. Pode ter sido o fim da melhor banda brasileira dos últimos tempos, como bem definiu Fábio em seus pitacos. Eu prefiro encarar que, apesar da música dizer que todo carnaval tem seu fim, os Hermanos voltarão. Assim como a tal festa popular, que acontece a cada novo verão. Graças a Deus.

*Abaixo, segue um pequeno Top 10 dos Hermanos. Nada científico, mas cada uma representa alguma coisa. Muitos vão discordar da seleção e da ordem. Pois discordem! É para isso que temos os comentários.

1. Quem sabe (Los Hermanos)
2. Condicional (4)
3. O vento (4)
4. Último romance (Ventura)
5. A flor (Bloco do eu sozinho)
6. Sentimental (Bloco do eu sozinho)
7. Primeiro andar (4)
8. Samba a dois (Ventura)
9. Paquetá (4)
10. Anna Júlia (Los Hermanos)

Como um bilhete sobre a mesa

Meus caros,
Estou por aí, me procurando. Sei que volto e acho que será em breve. Não se preocupem, passa rápido.

Mando notícias.
Beijos e abraços.
Julio

Ringue

Quem me conhece sabe que eu não sou de briga. Aliás, abomino qualquer tipo de violência e confesso que não consigo me ver envolvido em qualquer disputa dessa, seja ela minha ou de amigos. Além de nunca ter brigado na minha vida, nem na escola primária, agradeço por nunca ter conhecidos que fossem adeptos da prática de arranjar esse tipo de estupidez em qualquer lugar.

Por outro lado, sempre ouvi histórias de lealdade em disputas físicas e em todas as vezes me questiono se não sou bonzinho demais para isso. Nunca entraria numa briga minha ou de outros, creio. Sou racional demais, deve ser isso. É o que penso em todas as vezes. Não me descontrolo, não reajo a provocações, não penso que a melhor forma de se resolver qualquer problema é mandar a mão na cara de alguém.

Só que às vezes também penso que sou tranqüilo demais. Tenho propensão a resolver os assuntos na conversa e, pior, ao invés de encerrar o assunto assim, ainda fico remoendo-o sozinho, comigo. Penso que às vezes seria melhor levar tudo para um ringue e descontar em alguém, na violência. Talvez isso alivie os momentos problemáticos. Não sei.

O gosto pela Vespa

Não sei de onde vem o meu gosto por Vespa (não o inseto, meu caro, mas a moto ilustrada mais a seguir). O fato é que nunca gostei de veículos com menos de quatro rodas e mesmo assim aquela moto simpática e eficiente simplesmente me conquistou. Não sei como nem porque, aliás.

Esses dias, então, me encontrei com ela - a Vespa, digo. Vermelha e branca, estava estacionada na beira da calçada, aonde parecia à espera de um dono que nunca vinha. Parecia abandonada. Fitei-a por longos minutos, observando os detalhes, querendo saber o que tinha de especial.

Vespa Super Sport 1965 - Coisa linda, não?

Só que, no fundo, sabia que ela não me pertencia. A mim, então, não restava nada além da vista. Tentei relembrar e guardar os momentos juntos, a companhia compartilhada, aquela presença. No final, deixei um olhar fugaz, pouco eficiente até. Não olhei para trás.

E assim aconteceu: ela ficou e eu fui. Mesmo assim, saí de lá com a impressão de que um dia vou voltar, de que ainda vamos nos encontrar novamente. E pode ser que lá na frente seja tudo diferente. Até lá, ficam somente as imagens, a vista, o gosto.

Si, nosotros hermanos son rebeldes!*

Quando estive em Buenos Aires em janeiro deste ano, uma das coisas que mais me chamou a atenção na cidade foram as pichações. Seja nas paredes do centro da cidade ou nos monumentos históricos, a grande maioria delas representavam alguma coisa, não eram apenas "demarcação de território", como aqui no Brasil.

A principal motivação das que vi, aliás, era política. Perfeitamente compreensível para um país que passou por uma crise econômica e política recente. Mas a minha dúvida maior ao ver os prédios sujos daquela maneira era uma só: será que o povo argentino é tão politizado quanto parece ser na televisão e nessas atitudes? Será que pelo menos eles tem mais veia política do que a gente?

A viagem terminou e eu não consegui saber a resposta ao certo. Nas minhas conversas com argentinos, tentava abordar o assunto, mas eles não esclareciam muito as minhas dúvidas. Com um taxista, por exemplo, consegui saber que o país tem melhorado muito, mas que ainda há muita gente se desdobrando em dois empregos para conseguir um salário minimamente decente.

Mesmo assim, só agora a resposta sobre a atitude política do argentino parece ter vindo. No dia 9 de abril, toda a Argentina se mobilizou e provocou a primeira greve geral desde que o presidente Néstor Kirchiner assumiu a presidência, em 2003. A segunda-feira de paralisação foi motivada pela morte do professor Carlos Fuentealba, baleado por policiais durante protestos por melhores salários na província de Neuquén (sul).

Quando soube da notícia, logo me veio a cabeça a velha questão, seguida da conclusão esperada. Sim, a Argentina é assim mesmo, politizada, preocupada socialmente, diferente daqui. O que dá pena mesmo é ver que o Brasil, com problemas tão graves quanto, não se mobiliza para nada, só para o Carnaval. Isso sem falar que a motivação do protesto argentino - a educação - nunca se repetiria por aqui. É triste, eu sei.

* Qualquer falha na expressão usada no título, peço perdão. Solo hablo un español muy canalha. Siempre!

Protocolado e em três vias

Juarez sempre teve orgulho de ter dedicado a vida a ajudar as pessoas no combate a burocracia. Como agente do Ministério da Desburocratização, Juarez reunia - e eliminava - documentos que atrasassem qualquer procedimento legal ligado ao governo.

Anos e anos tentando melhorar a vida das pessoas, dedicando quase dez horas diárias a resolver problemas, e agora estava ali, a um dia da aposentadoria. Mas tudo bem: ele sentia o dever cumprido.

Naquela manhã, então, resolveu aproveitar a última folga e foi à padaria. Na fila, longa como nunca, duas senhoras travavam uma discussão quase filosófica.

- Lúcia, isso é culpa do governo.
- Claro, Cida, não dá para aceitar essa demora.
- É. Um simples documento de invalidez temporária e só.

Juarez ouviu, mas como era praxe nas suas folgas, não tratava de trabalho e preferiu ignorar o assunto. Passou longos minutos para conseguir ter os pães à mão. Depois, tomou a rua e viajou.

Viu as filas de emprego, dos restaurantes por quilo, da fézinha na lotérica, das compras no supermercado. Sentia que tudo o que fizera não havia mudado o mundo, como imaginava. E resolveu se matar.

Mudou o trajeto, pegou a fila do metrô lotado, chegou ao centro. Decidira se jogar do viaduto do Chá, ao meio-dia. Subiu num pedestal e esperou a hora destinada.

- Ei, você. - disse uma voz - Você mesmo, meu senhor.
- Eu? - virou Juarez, olhando a chegada do guarda.
- É. Vai se jogar agora?
- Sim, porque? Vai me segurar?
- Não. Mas o senhor não pode se matar daí.
- Não posso?
- Tem autorização?
- Autorização??? Desde quando...
- Desde o ano passado. O prefeito decretou um horário proibido, das nove às cinco acho.
- Como?
- É isso mesmo, das nove as cinco. Só com autorização da subprefeitura, talvez.

E Juarez, sempre tão correto e antiburocrático, simplificou e se jogou.

Eu, cá com os meus botões...

Quando eu tinha mais ou menos 12 anos, uma das coisas que eu mais gostava de fazer era jogar futebol de botão. E tinha toda a preparação: comprava as equipes (e às vezes apelava para a fabricação própria mesmo), organizava as tabelas dos campeonatos, imitava a torcida. Tudo isso para, só aí, botar o time em campo. Raras vezes, porém, é que eu jogava contra alguém. Preferia disputar comigo mesmo. E só.

Foi assim por muito tempo - e em várias situações, aliás. Com a coleção de bonequinhos do Cavaleiros do Zodíaco, desenho dos anos 90 que hoje eu não agüento assistir nem a propaganda; com os carrinhos que eu sempre tive; com o balde vermelho de Lego. Em todas as brincadeiras da idade, preferia ter apenas a companhia de mim mesmo. No máximo, chamava um colega mais próximo - e isso às vezes só.

Com os carrinhos, aliás, criei uma cidade. No quintal do fundo de casa, creio que com giz de cera, rabisquei a planta da cidade perfeitamente. Tinha o centro, os bairros e as longínqüas rodovias. Afinal, era essa a intenção: fazer a frota de carrinhos rodar por aí. A cidade, porém, sempre teve como habitante real - e chefe de tudo - uma única pessoa: eu.

Mas, caro leitor, não é isso que está pensando. E antes que pergunte, digo que nunca fui anti-social. De tempos em tempos, reuniam-se em casa os colegas da escola, seja para fazer trabalho ou jogar bola na varanda minúscula. Bom, é bem provável que alguns já iam pensando no lanche sempre farto que minha mãe resolvia oferecer no meio da tarde. Era a única coisa que interrompia a brincadeira.

Participei também, como idealizador e atleta, de uma experiência esportiva na rua da casa de um amigo meu. Foram as Olimpíadas da Casa do Vítor - nome do amigo meu, óbvio. Com tocha olímpica e tudo, criamos modalidades pouco convencionais, mas fáceis de serem realizadas ali. Mesmo assim, como toda prática na rua, a competição tinha seus inconvenientes. Os carros que insistiam em passar, a vizinha velha e chata que insistia em reclamar, os amigos do vizinho - e não da turma - que insistiam em querer participar. Mas tudo bem, deu certo.

Hoje, quase nove anos depois, não é mais assim. Óbvio, até. Vivo numa cidade com a população - e número de carros - cerca de mil vezes maior, tenho aproximadamente dez vezes mais coisas para me preocupar e fazer e as responsabilidades já são infinitamente maiores do que naquela época, quando a única era estar em casa ao anoitecer.

Mas não pense que isso são lamentos típicos da velhice ou a crise dos 21 anos, que estão desembarcando aí no próximo mês. É só uma constatação, que pode ser resumida e simplificada em dois pontos. Antes, eu jogava futebol de botão sozinho e me divertia. Hoje, não consigo mais almoçar sozinho.

A vista lá de baixo

Eu olho a rua. Ela não me vê, mas me mostra o que eu quero. Paz. É isso, talvez. Os poucos carros que passam lá fora não fazem tanta questão para mim. O que me importa é a rua em si, o quadrado dela que tenho aqui. Parcialmente apagada, visualmente triste.

Ainda assim, deslumbrante. As árvores que vejo daqui balançam de tempos em tempos, como se querendo dizer algo sobre a noite. A brisa que lhes provoca me traz a sensação de como tudo deveria ser. Paz. Um sopro apenas já basta, pelo menos por hoje.