Viver e não ter a vergonha de ser feliz

Zuleide Silva tinha a vida que ninguém gostaria de ter. Já beirava os 60 anos e caminhava a passos largos para conseguir o certificado de "tia". Não pelos quatro sobrinhos, presente de suas duas irmãs bem casadas e aparentemente felizes, mas sim da falta de marido. Não falta, afinal já havia sido casada uma vez. O marido, coitada, veio a falecer um mês depois.

Zuleide Silva também não prezava pela saúde. Bebia seu Deher dia sim, dia também. Fumava seu Camel toda hora, em todo lugar. A voz, rouca e com falhas, já denunciava a iminente morte. Morte que, segundo ela, poderia ser adiada com "aqueles remedinhos milagrosos com tarja preta".

Zuleide Silva, aliás, não era simpática. Era um saco. Na padaria, todos a odiavam por insistir escolher do pão à fatia de queijo prato. No mercado, os entregadores a difamavam por ela abusar do poder na hora de fazer as sacolas e carregar até o apartamento dela. Os porteiros e zeladores, aliás, também evitavam a senhora. Ela faz mal à saúde, comentavam.

Zuleide Silva também não era uma líder nata. No fundo, só abusava mesmo dos entregadores do supermercado. Com todos os outros, sentia-se submissa. Fugia das responsabilidades e do compromisso como o diabo foge da cruz. O belzebu, aliás, não tem uma opinião muito boa de Zuleide: prefere vê-la longe do inferno. Que Deus a tenha, comentou.

Mas Zuleide Silva não era um total fracasso, como pode parecer. Havia pelo menos uma coisa que ela sabia fazer direito: ganhar dinheiro. Não roubando, não contrabandeando, não traficando, não matando. Zuleide Silva era realmente diferente. Fazia dinheiro escrevendo livros de auto-ajuda. Seu best-seller? "Manual completo de como ser feliz, realizar seus sonhos e viver bem". Genial.

Por Julio Simões, em 20 de maio de 2007.
Dedicado à Milly Ramiro, pela concepção da idéia.

2 comentários:

Anônimo disse...

ironicamente irônico...
(e cenas e personagem mais desenvolvidos, legal.)

e, se me permite, eu trocaria de lugar uma palavra do título: "Viver e ter a vergonha de não ser feliz"

[acho que daqui uns dias vou assinar esses posts como "cons. literária particular... ganhamos os dois com isso, não?]

Anônimo disse...

Genial mesmo, Julio! Gostei do jeito que vc construiu a personagem, seria uma boa protagonista de sitcom (sem querer puxar a sardinha pro meu lado érretevístico)...
Acho que sei de onde você tirou o Dreher... Ah! E o começo de cada parágrafo tb tá muito bom! hahaha

Bjo e obrigada pela dedicatória, viu? ;)