Recesso

Há algum tempo, tenho pensado nisso e... pronto!

Estamos fechado para balanço. E por tempo indeterminado.

Grato,
Julio

Teorema

Eu sempre quis escrever um teorema sobre alguma coisa. Algo importante, sabe? Algo universal, que todos que lessem e se identificassem de primeira. Pensei nisso por anos, algumas idéias passaram e nenhuma teve tanta consistência como esta. Enfim, acabou que decidi escrever sobre o amor.

No começo a gente acha que é fácil, que o sentimento é sempre o mesmo, mas que só mudam os personagens. Depois passa a ver que não é tão simples, que tem coisas a mais envolvidas, que existe mais complexidade do que se pode imaginar.

Depois ainda esbarra em outras formas de amor, tão boas ou até melhores. Indispensáveis, eu diria. E passa a duvidar do conceito universal do amor. É aí que começam os problemas. Não se sabe mais aonde termina uma coisa e começa a outra. E a necessidade cada vez maior de viver tudo aquilo passa a ser insustentavel.

Eu sempre quis escrever um teorema sobre alguma coisa. Escolhi a porra do amor. Queria que fosse algo poético, lindo e chocante. Queria que fosse digno de prêmio Nobel. Pois não deu, infelizmente. Escrevi meias palavras sem qualquer conteúdo. Talvez eu ainda não saiba nada sobre isso.

Por Julio Simões, em 28 de agosto de 2007.

As horas, o tempo

Sempre quando retorno a Promissão, o que não acontece tão frequentemente assim, consigo enxergar uma nova cidade. Seja pela pintura renovada de alguns locais ou até pelo aparecimento de algumas construções, que parecem surgir por brotamento.

Da última vez que fui à terrinha, porém, uma coisa fora do lugar me chamou a atenção. Me horrorizou, até. Afinal, caro leitor, como é possível alguém trocar um relógio histórico por um marcador de horas digital?!?

Como pode um patrimônio desses, mesmo estando "fora de serviço" desde que eu existo, ser trocado por um retângulo de dígitos verdes, impossíveis de enxergar mesmo estando embaixo dele?

Pois foi isso que aconteceu. Era um relógio de, creio eu, aproximadamente 50 anos, colocado no alto de uma das principais praças da cidade, como homenagem ao início da imigração japonesa no Brasil.

O problema, além do político, é que fatos como esse me colocam frente à lembranças de que o tempo passa, de que me distancio das coisas e que tudo muda, desde a fisionomia da cidade até a minha. A mudança é inevitável, eu sei.

E em algum momento aquele relógio ia sair dali, fato que ninguém pode evitar. Só me pergunto para onde vão todas as velharias, desde as antigas lembranças às velhas manias? E para onde foi o velho relógio histórico, hein?

Por Julio Simões, em 17 de agosto de 2007.

Conflito de interesses

"Eu acho que a gente podia ser assim". Foi o que ele disse quando já estava com as mãos em sua cintura, fitando-a e com uma vontade enorme de beijá-la. Há algum tempo vinham se conhecendo, e quem visse a relação dos dois de fora, não daria mais de um mês para que eles consumassem o fato.

Ela então pensou em tudo, o que eles haviam vivido até ali. Apesar do pouco tempo que se conheciam, já se consideravam amigos! E aí veio a frase que ela mais temia. "Eu acho que a gente podia ser assim". E as mãos na cintura dela correram pelas costas e os corpos se esquentaram até os rostos se tocarem e as bocas...

Aí a coisa fluiu. O sofá, que passava por ali, serviu confortavelmente como a primeira noite dos dois. Noite não, aliás, porque era de tarde e os dois apenas para recuperar um DVD dela. E tudo acabara naquilo. No sofá, sob olhares da mesinha de centro, da TV e do tapete.

O toque dele era bom e a estimulava. A calça jeans - que a deixava sinuosamente deliciosa - fora facilmente retirada enquanto as mãos dele percorriam o corpo dela como um escultor com sua argila. Aos beijos e lambidas, seguiram como num balé de corpos desesperados por se completarem.

Depois, ainda ofegantes pela lancinante tarde amorosa, se olharam por longos segundos, como se prevendo o fim. Num estalo, recolheram as roupas do chão sem trocar qualquer palavra, não se despediram e não se viram mais. Estava tudo acabado entre os dois.

Por Julio Simões, em 1º de agosto de 2007.

Leve desespero

Eu sinto um frio que não sei explicar. Talvez seja a janela que não está aberta. Talvez seja o ar condicionado que não funciona desde 1995. Não sei. Vem um vento frio, daqueles que atingem a Argentina de tempos em tempos, especialmente no inverno.

Um vento que parece focado em mim. Apenas eu sinto frio! Me encolho na poltrona, olhando a televisão desligada. Em segundos, me pego num labirinto, de paredes altas e forradas de plantas - trepadeiras, acho. É tudo muito grande, vazio, dramaticamente silencioso.

Eu corro nu, para lugar nenhum. Não acho a saída, mas encontro as extremidades. São quatro, todas fechadas, sem solução. Depois de horas, a imagem turva e eu caio. Acordo sete dias depois, ainda na poltrona. A campainha toca. Deve ser o jornal, penso.

Nós

Imagine uma rodovia. Larga, longínqua e cheia de bifurcações. Nela, os carros vão fluindo, vindo dos diversos lados e se ligando ao caminho para formar uma nova reunião de carros. A todo momento, uns saem e se distanciam, outros entram e se aproximam. Apesar disso tudo, a rodovia sempre permanece lá, única e sozinha, apesar de diferente.

Imagine agora os vasos sangüineos - ou veias, se quiser. Aqueles que levam o sangue de uma parte a outra do corpo. Observe o caminho do ponto de vista do sangue, aliás. Este se desloca de um lado para o outro, se junta ao oxigênio e com isso se transforma, adotando e dispensando componentes. Apesar de cíclica, a mudança nunca é igual.

As metáforas descritas acima, eu sei, não servem para representar nem de longe as relações humanas e a forma com que elas acontecem na realidade, principalmente em tempos modernos. E é exatamente nesse meu erro que acerta o brilhante "Medos privados em lugares públicos", filme francês dirigido por Alain Resnais. Antes de mais nada, devo dizer que provavelmente presenciei um novo clássico - ou quase, vai - sem nem mesmo saber disso.

O filme, antes de tudo, é simples. Corriqueiro e cotidiano demais, até. São sete vidas que quase não se cruzam, mas tem quase tudo em comum. Desde a necessidade de se ligar a outra pessoa (ou figura, seja essa um lugar ou uma religião, por exemplo) até os problemas pessoais pouco combatidos e geralmente acobertados por um falso sorriso ou diálogo, ambos usados pelos personagens para manter a normalidade.

Se no começo o filme parece banal demais, é na segunda parte que ele se torna realmente um quase-clássico. As pessoas tomam consciência de suas dificuldades e buscam alterá-la, aconteça o que acontecer. Apesar do medo de cada um com relação às mudanças nas rotinas e na vida em si, todos procuram melhorar o que consideram falhas.

O ponto principal, no entanto, fica sobre as metáforas e filosofias bem abordadas nos diálogos. Neve, bíblia, cores. Eis alguns dos elementos usados para reforçar a idéia principal: as pessoas se relacionam, mas tem medos e dificuldades (principalmente em admiti-las) de se sentirem sozinhas e desprotegidas. Enfim, eu não preciso falar mais nada. É o mais puro retrato da intimidade humana que eu já vi.

Desalinho

Tenho uma estante em casa. Na verdade, é um canto no corredor da casa que adotei para guardar quase todas as minhas coisas de mão. Gosto de chamar de estante só para parecer que tenho um lugar específico para guardar os papéis, livros e todo o tipo de tranqueira que vai se acumulando com o passar do tempo por ali.

De um tempo para cá, a pilha de papéis da faculdade e apostilas, localizada na esquerda, já não tem para onde cair. Movê-la para recolocá-la no lugar iria requerer um guindaste, no mínimo. Sem contar que isso acarretaria em danos para os inúmeros blocos que eu hospedo ali, além da máquina fotográfica digital e de um Quixote, que se desprendeu da pilha de livros, localizada na direita, e se juntou ao emaranhado.

Confesso que nunca dei muita atenção para a estante. Quase nunca fiz planos para reordená-la. Quando fiz, consegui dar um jeito de adiar. Há um tempo atrás, a função de "maquiar" a estante e fazê-la parecer uma estante era da empregada. Hoje, até ela desistiu.

E tem sido assim nos últimos tempos. As coisas estão ali, acontecem, vão se acumulando e se reordenando. A bagunça ganha vida e apenas é observada pelo dono, que se conforta em pensar que ainda vai arrumar tudo aquilo quando tiver tempo e oportunidade e motivação e vontade. É tudo sempre igual. Toda santa vez que passo ali, tenho a sensação que tem algo em desalinho.