A questão

"Muitas vezes a mente deveria assumir a capacidade de agir"

Esta frase estava escrita à mão, em uma letra provavelmente feminina, num papel que encontrei um dia no corredor da faculdade. Até hoje eu não sei direito o que significa e muito menos quem a redigiu. Ainda assim mantenho o pedaço de almaço dobrado dentro da minha carteira. Pensando nela, pergunto:

Por que quanto mais a gente pensa antes de agir, mais acha que não deve pensar antes de agir?

Osso duro de roer

Antes:

Cena 1: Era um fim de tarde em um McDonalds da Avenida Paulista. Cinco meninos de aparentes 12 anos, alunos de um famoso colégio de classe alta da capital, se empurram e lançam frases de coerção uns aos outros: "Você é moleque!", "Mas é um fanfarrão mesmo!", "Perdeu, playboy, perdeu!", divertem-se. Para eles, penso eu, deve ser mesmo legal ser um policial. Eu, quando pequeno, queria ser astro do rock ou coisa parecida. Enfim, tempos modernos.

Cena 2: Era tarde da noite em um apartamento da mesma região central de São Paulo. Cinco ex-universitários (hoje formados, todos em jornalismo) discutem pirataria, tortura e repressão policial. Há quem defenda o afrontamento da polícia ao tráfico de drogas, e quem considere que a pirataria seja a necessidade cada vez maior de uma política de liberalização dos direitos autorais. Eu, no sofá, só ouvia a discussão que seguia cada vez mais acalorada.

Desde que o filme Tropa de Elite caiu na mão dos piratas modernos por ingenuidade de um responsável pela legenda do filme (aliás, você lembra quem foi? estranho, ninguém mais fala nisso...), o que aconteceu foi um verdadeiro bombardeio de opiniões, discussões e expectativa, pelo menos por parte daqueles que esperaram o lançamento oficial - meu caso.

A produção, aliás, tinha exibição prevista apenas em algumas salas de São Paulo, mas acabou sendo o lançamento do ano até aqui, apesar de o filme de José Padilha (com 700mil nos 10 primeiros dias) ainda perder em público para os novelescos "A Grande Família" (2 milhões) e "Primo Basílio" (790 mil) - mas será que alguém ainda se lembra quem é Nenê ou Luísa?

Só que a pirataria alavancou, como nunca, o lançamento da película e, melhor, suscitou a discussão acerca de assuntos que sempre existiram, mas antes era empurrados para debaixo do tapete. O ponto que me preocupava antes de ter contato direto com o filme mais falado do ano, porém, era outro. Era mais embaixo, diria.

Depois:

Após ver o filme, a sensação de generalização é inevitável. Afinal, a polícia carioca (e conseqüentemente, a brasileira) é corrupta. A corrupção, aliás, vem de cima para baixo e, com isso, não há como quebrar o sistema podre de poder. O BOPE (Batalhão de Operações Especiais), porém, é incorruptível e luta pela população por ideologia, mesmo que tenha que atirar sem ter certeza e colocar saco na cabeça de suspeitos para conseguir este objetivo.

O problema todo, então, começa com o consumo banal de drogas, especialmente de universitários, que são todos maconheiros fúteis e filhinhos-de-papai. Diante deste cenário de terror, só há uma solução: Capitão Nascimento (que já tem até nome de super-herói) e sua mão firme contra o crime. Afinal, só a polícia "que entra em ação quando a polícia comum já não resolve mais" é que pode salvar.

Claro que quase tudo isso é uma visão distorcida, mas que é facilmente passada para quem não vive ou assiste ao vivo essa realidade de guerra nos morros - caso de 98% dos espectadores do filme, creio eu. E isso é bastante perigoso, claro. Afinal, é fácil vender a idéia de que só a repressão resolve e convencer a população que só um Nascimento salva. Pior que isso, só se o vendedor da idéia for político.

Porém, o que eu mais temia não era isso. Era mais interno, silencioso e ameaçador. Afinal, alguém pensou o que a influência do filme e da fama do BOPE pode fazer com aqueles jovenzinhos de 12 a 15 anos, que jogam violência nos videogames e repercutem as ações mais ofensivas de um filme agressivo como brincadeira? Talvez a cena 1 representada acima seja o maior problema de Tropa de Elite, afinal não há censura ou regulamentação para isso. Só espero que a cena 2 seja o futuro - e a solução, conseqüentemente - disso tudo.

O grande festival de São Paulo

Ah, outubro! O mês mais adorado por aquela gente de óculos de armação grossa que vai a um milhão de filmes apenas com a finalidade de competir com outras pessoas de óculos de armação grossa em quantidade de películas vistas.

É a época que uma região de São Paulo - a Paulista, para ser mais específico - praticamente gira em torno dos cinemas e das pessoas. É um corre-corre sem fim, e durante 15 dias aproximadamente.

O que a maioria não sabe, no entanto, é que existe um evento mais importante do que a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo em outubro. Sim, caríssimo leitor e belíssima leitora!

Pois é o Boteco Bohemia, competição saborosa de petiscos regada à muita cerveja (aquela que patrocina toda a festa, claro, não qualquer uma).

O "festival", que começou no dia 1º e vai até 31 deste mês, elegerá entre os 31 bares participantes o melhor petisco da cidade, que será condecorado na Festa da Saideira no final do concurso.

Então me diz: no mês em que se pode degustar petiscos inesquecíveis nas surradas mesas de bar, pra quê rodar cinemas atrás de filmes e mais filmes? Hein?

Se interessou? Acesse o site oficial do Boteco Bohemia.
Achou o post estúpido e está querendo me esganar porque acha que eu odeio a Mostra (o que não é verdade, diga-se de passagem)? Acesse o site oficial da Mostra SP.

A saga

Era um final de tarde de uma quinta-feira qualquer. Entendiado, decido ler uns blogs, o que acaba me motivando a criar o meu. Ter um "diário virtual", aliás, não era tão novidade assim para mim. Na época de cursinho, criei o meu primeiro blog, mas seu conteúdo fraco e sua atualização esporádica o fecharam ao final dessa fase, apesar do carinho que ainda tenho pelos fatos registrados lá.

Mas história à parte, voltemos àquele final de tarde de uma quinta-feira qualquer. Na verdade, vivia aquele momento sem saber que seria histórico. Afinal, naquele dia 5 de outubro de 2006 nascia o Tira uma foto! (isso, com interrogação à la Ira!), blog cuja finalidade era tornar útil o celular recém-adquirido (um Siemens C72, que me acompanha até hoje) e sua câmera fotográfica.

O nome, aliás, é um caso à parte. Isso porque praticamente 100 dias depois de sua oficial fundação como Tira uma foto!, decidi trocar do nome. Para explicar sucintamente essa mudança tão significativa, recorro a um post de 15 de janeiro deste ano, data oficial da troca:

Três meses e dez dias do lançamento e mais de mil visitas no contador, decido mudar o nome deste espaço. Explico. O nome Tira uma foto! foi bolado depois de horas a fio frente ao computador e tinha como mote a publicação de fotos tiradas pelo celular. O problema é que com o tempo e com a falta de imagens interessantes para postar, o nome passou a não fazer mais sentido.

Diante disso, decidi mudar. O método? Pelo comunicador instantâneo, contactei um amigo e leitor assíduo - aê Diegones - e pedi um nome. Como nenhum dos dois teve idéia válida, peguei o livro mais próximo (o clássico D. Quixote, de Cervantes) e perguntei uma página a ele - ao Diego, não ao livro. 174. Corri as folhas e procurei a mais interessante palavra. Alforje, Bendito Alforje. Belo nome, o problema foi a grafia. Podiam confundir o J com G ou ainda o L com U ou O. E ainda tinha o lado mercadológico da memorização.

Passei os olhos mais para cima e descobri a frase "senão o de satisfazer o estômago com os restos que do despojo clerical...". Sim, despojo, que já no dicionário descobri ser, entre outras coisas, fragmentos, restos.

Enfim. Os tais três primeiros meses foram praticamente um período de experiência para mim e para o blog. Só depois disso é que chegamos a um formato que considerei ideal, fato este marcado pela mudança de nome e da "linha editorial", digamos assim. Neste período inicial, porém, posso destacar alguns posts que considero importantes na curta história deste espaço.

A começar pelo primeiro post, que trás a melhor foto já tirada pelo C72. Dias depois, o segundo post trás o primeiro texto de ficção publicado no blog, que também nascera com a finalidade de ser a base de todos os meus "textinhos de quinta categoria escritos nas tediosas aulas", como eu mesmo dizia na descrição do blog. O mini-conto, aliás, é o que considero mais perto da perfeição, dentre os já escritos por mim.

Naquele mês de estréia, ainda tivemos um post que virou música - pelo menos o começo, vai... - e um princípio de trilogia que nunca teve fim. Aliás, se é possível classificar meus textos por fases, considero aquela como sendo a "romântica". Neste período, destaco um em que os dois personagens são simplesmente a alegria e a tristeza e outro em que a dupla de personagens é formada por um cara com incrível poder de extrair a essência das mulheres e uma mulher que consegue encantá-lo a ponto de anular esse dom.

No final do ano, ainda na fase antiga do blog, publico o primeiro "balancete" do espaço: os Highlights 2006. Além disso, o Despojo também foi lugar para algumas descrições pseudo-jornalisticas das minhas reportagenzinhas para a GazetaEsportiva.Net. No começo do ano, ainda tive a sorte de acertar na escolha da minha viagem de férias e fui para a Argentina. Mesmo sozinho, a viagem rendeu uma série de posts sobre a capital argentina.

Depois, damos um salto para maio, já que fevereiro, março e abril foram épocas de vacas magras no blog. No dia 8 do quinto mês do ano, então, veio o post de maior sucesso até aqui: a minha entrevista com o gordo Jô Soares, em ocasião do meu aniversário, comemorado um dia antes. O tal post, aliás, é o detentor do recorde de comentários em um só post até aqui: 11. Além do mais, foi nesse mês que dei espaço pela primeira (e única) vez a um convidado. Ainda espero ter outros, no futuro.

O mês de maio foi mesmo especial. Teve texto metido a engraçadinho, teve texto criado num almoço solitário, teve confissões de uma das minhas loucuras. Teve até a tentativa de escrever o texto mais violento já escrito por mim! Enfim. Depois, já em junho, pus em prática uma idéia um tanto quanto antiga: as minhas pequenas teorias cotidianas - até agora, já publiquei as duas que tinha, a do All-Star e do celular, e continuo alerta para buscar novas evidências ignoradas pelos cientistas.

Se julho também foi um mês produtivo, em que publiquei, por exemplo, a minha história mais longa e elaborada até aqui, o mês de agosto foi de crise. Além de nada muito relevante entre os sete posts, ainda brindei o público fiel com a mensagem mais impulsiva que já mandei por aqui. Desde então, foram 37 dias descansando do blog. Nenhum post, nenhum comentário, nenhum sinal de vida. Até agora, em outubro, quando em função das comemorações do primeiro aniversário deste espaço, resolvo sair da toca e escrever.

O aniversário do Despojo, aliás, já é motivo de controvérsias. Na minha cabeça, a data de nascimento era 10 de outubro. Porém, ao começar a pesquisa para este post, descubro que o primeiro registro aqui data de 5 de outubro. Ou seja, errei nos cálculos e, claro, perdi o dia do aniversário, que nem um post (sem querer) teve. Lamentável. Mesmo assim, decido continuar a construção de um texto explicativo - sem dados de audiência, que era a proposta inicial - e ainda atraso em cinco dias a desejada data de publicação.

Tudo bem. O pequeno Despojo só faz um ano e, tenho certeza, terá mais alguns carnavais pela frente. Então, com um sorisso meio amarelo por conta das falhas, desejo a ele um... feliz aniversário! E um próspero ano novo.

Quase 365 dias e/ou 100 posts

Quando criei o Despojo, ainda com o absurdo nome de Tira uma foto, não tinha noção do que se transformaria isso. É verdade que o blog não é aqueeeeele sucesso, mas satisfaz a mim e, imagino eu, aos cinco ou seis que passam por aqui de vez em quando.

Porém, independentemente da audiência que tem, o blog vem cumprindo bem a única missão que recebeu há um ano atrás: servir como "casa" para uns textinhos de ficção e algumas confidências subliminares, esta última camuflada na subjetividade.

Confesso, porém, que não sei o que fazer nas comemorações deste primeiro aniversário do Despojo. Uma coletânea de textos com maior números de comentários? Não. Uma coletânea dos melhores textos segundo eu mesmo? Não também.

Convidar pessoas - as que sempre comentam, obviamente - a deixar suas impressões sobre o blog, bem ao estilo "críticas-curtas-de-cinema-que-ilustram-cartazes-de-filmes"? Não, apesar de não ser uma idéia totalmente descartável.

No final, entretanto, decidi pela opção mais óbvia, corriqueira, sem graça e banal: a de expor aos visitantes, de forma mais maleável que tabelas e planilhas, os dados deste espaço, desde os itens mais relevantes até os mais curiosos.

A intenção ao expor as "entranhas" do blog é, ao final do primeiro ano de Despojo, brindar a data com os próprios freqüentadores. Mostrar tudo que geralmente não importa a ninguém além do próprio dono, mas que sempre desperta a curiosidade.

Enfim. Não há mais o que explicar. No dia 10 de outubro, data do nascimento do Despojo, irá ao ar um dossiê sobre o que de melhor (e pior) aconteceu nos últimos 365 dias e quase 100 posts publicados no http://despojo.blogspot.com Agora é só esperar...

De cara com o cara

Eu voltei, agora pra ficar
Porque aqui, aqui é o meu lugar
O Portão - Roberto Carlos

O corredor era longínquo, mal iluminado e velho. Eu não sei como cheguei ali, mas a questão não era propriamente essa. O fato é que eu estava naquele lugar estranho e fui informado por uma voz não identificada que deveria comparecer à uma porta cujo número eu já não lembrava. Andava praticamente sem rumo, embora a única direção possível fosse ir reto. Minutos depois de caminhar, encontrei o lugar. Abri a porta com cuidado, receoso com o que poderia acontecer. Lá dentro, nada. Isso mesmo: nada. Apenas uma sala ampla, iluminada com lâmpadas fluorescentes e com as paredes em uma cor meio bege. Demorei um pouco para reparar que, bem no fundo do salão, havia uma mesa.

Sob ela, só um porta-canetas do Corinthians parcialmente vazio, um calhamaço de papel e um cinzeiro recém-usado. Enquanto viajava naquela visão que mais parecia uma agência de publicidade de tão clara e limpa, acabei sendo surpreendido por ele. Ele? Um cara alto, um tanto forte e com a barba mal feita. Depois de me olhar desconfiado, foi para trás da mesa e sentou.

- Então você é o Julio? - perguntou.
- So...sou - gaguejei.
- Hummm, Juuuuulio - confirmou ele, tomando o calhamaço na mão e procurando algo.
- Isso mesmo.
- Julio, né?
- É, Julio

Depois desse estúpido contato inicial, o grandalhão sentou na mesa, puxou o maço de cigarro e fitou-me por longos minutos.

- O que você fez, hein mano?
- Eu? Nada. Só me distraí, tropecei num extintor que insistem em esconder nos cantos e acabei batendo com a cabeça na parede.
- Uh - encolheu-se, quase tendo calafrios com a descrição da tragédia - Olha, não sei bem se você tem motivo para estar aqui, sabe?
- Ah é?
- Você nunca fez nada tão grave, nunca produziu nada muito relevante, nunca cometeu crimes, não teve filhos, não escreveu um livro e tampouco plantou uma árvore.
- Ok, ok. Só não precisa jogar na cara, né?
- Tá, pode deixar.
- Mas, meu caro, por que eu estou aqui nesse lugar que, à propósito, eu nem sei o que é.
- Ok, vou te explicar. Você morreu, tá ligado? Sabe morte, manja?
- Oh!
- Mas não se assuste, viu! Aqui é a última parada antes do céu ou do inferno.
- Tipo juízo final, é?
- É. Tinha esquecido que na Terra ainda chamam esse lugar assim. Eu costumo chamar carinhosamente de "Ou vai ou racha".
- Ha ha ha.
- Maaaaas, como você ainda tá extendido no chão, eu posso te mandar de volta.
- Pode? Manda! Manda!
- Hum, vamos ver.

E o senhor desconhecido fez uma cara estranha, meio blasé até. Depois do charminho, disse que me mandaria de volta com uma única condição.

- Qual? Qual?
- Que você pare de frescura, tá ligado?, e que volte com aquela merda que você costuma chamar de blog. Desovo, não é?
- Despojo.
- Isso, Desgosto.
- ...
- Agora volta, vai - disse, me dando um último tapa nas costas, com força - Que eu preciso ver o último capítulo da novela das oito...

E neste momento, como num filme da Disney, uns pivetes vestidos com asas provavelmente compradas em uma famosa rua de comércio ilegal de São Paulo me pegaram pelo braço e, com uma força descomunal para pivetes, me jogaram céu abaixo. Agora, cá estou. De volta, apesar do galo na testa.

Por Julio Simões, em 4 de outubro de 2007.