Highlights 2007

Faz um ano, mas parece que foi ontem. Com essa frase clichê, começo o Highlights 2008, a segunda edição do prêmio estilo "melhores do ano" que o Despojo apresenta a seus leitores no último dia do ano. Na última vez, apresentei a premiação com pompa, expliquei direitinho do que se tratava, fiz graça com tapetes vermelhos, flashes e outras coisas mais. Desta vez, porém, serei mais direto e encurtarei a enrolação a apenas três parágrafos.

Antes de apresentar os premiados, é preciso dizer que um ano é tempo suficiente para se mudar muita coisa. O gosto pessoal, as amizades (pode-se aprofundá-las ou afastá-las), o emprego, as roupas, a moda, a aparência, o estilo de escrever, enfim, a vida toda. Pois é. Eu mudei, você mudou, todos mudamos.

E o prêmio também não poderia ser diferente. Poucas categorias tiveram bicampeões (av. Paulista, Linense e Atlético-PR, por exemplo, repetiram a dose - para o bem ou para o mal), o que prova o dinamismo da competição. A maioria é cara nova, e se você comparar, pode perceber que mudei bastante. E para melhor, acho.

Música :
- banda: Foo Fighters, com menção honrosa para Los Hermanos (minha última homenagem a eles. juro que ano que vem eles não aparecem aqui)
- álbum: Fashion Nugget, do Cake (muito por culpa da minha fase cakística, mas também pela sonoridade límpida e empolgante das músicas)
- show: Diana Krall, no Parque Villa-Lobos (o lugar é o paraíso dentro de São Paulo e ela, ah!, ela é tão linda!)
- surpresa: Cake (eu sei que não são novos, mas conheci recentemente e não paro de ouvir)
- decepção: a parada por "tempo indeterminado" do Los Hermanos (porque é triste saber que eles podem nunca mais voltar)
- revelação: Céu (a dona da voz mais doce da MPB atualmente).

Filme :
- o melhor: Jogo de Cena, de Eduardo Coutinho (vi recentemente, mas é realmente fantástica a união entre ficção e realidade), com menção honrosa para Medos Privados em Lugares Públicos, de Alan Resnais.
- o pior: talvez seja o aclamado O Grande Chefe, que se mostrou lento e pouco eficaz.
- menção honrosa: Bee Movie e os destaques da Mostra (o uruguaio O Banheiro do Papa, o francês La Crème e o nacional Estômago)
- melhor atriz: Tainá Müller como Marcela, em Cão sem Dono.
- melhor ator: Jerry Seinfield como a abelha Barry B. Benson, em Bee Movie; e César Trancoso como Beto, em O Banheiro do Papa.

Livro :
- o instigante: O Passado, de Alan Pauls.
- o sonífero: Dom Quixote, de Miguel de Cervantes.
- o desejado: Na Multidão, o novo do Luiz Alfredo Garcia-Roza (sempre ele!).

Lugar :
- restaurante: Subito, comida italiana (na Brigadeiro Luiz Antônio, na Paulista e em tantos outros lugares, vale conferir a mistura entre carne e massa)
- rua: av. São João (por onde o TCC vai me fazer passear tantas vezes em 2008, com muito prazer), com menção honrosa para av. Paulista (sempre monumental, quase hour-concours)
- barzinho: Finnegans (pub irlandês + música + amigos = boa pedida)
- passeio: minha primeira viagem internacional, para a Argentina, com menção honrosa para a bela Rua Javari (vi o Juventus lá por duas vezes em 2007 e espero ir em tantas outras no futuro)

Futebol (porque esporte é muito abrangente):
- melhores momentos: Corinthians e a queda ao submundo da Série B; menção honrosa para o Linense, depois da A-3 em 2006, o vice na Copa FPF em 2007.
- piores momentos: Atlético-PR, que perdeu Paranaense, Copa do Brasil, Copa Sul-americana e Brasileiro. Dois anos seguidos sem nada para se orgulhar não dá, né?
- golaço: Marta, no Mundial feminino disputado na China, contra as poderosas norte-americanas.
- bola fora: Lula no Pan do Brasil. Não requer mais explicações.
- assunto mais chato da crônica esportiva: As contratações do Fluminense para a Libertadores.

Reportagens pessoais:
- a melhor: cobertura da final da Copa FPF, entre Linense e Juventus, na Rua Javari. (teve grito de campeão para o time de Lins na arquibancada, invasão do gramado para entrevistas e até foto vendida para a Gazeta)
- a pior: cobertura do Boca Juniors para o jogo contra o São Paulo na Copa Sul-americana. (nenhuma palavra dos simpáticos argentinos no aeroporto e no vestiário)
- a mais trabalhosa: cobertura do clássico entre Santos e Corinthians e a "final" entre São Paulo e o rebaixado América de Natal, ambos pelo Campeonato Brasileiro.
- a mais engraçada: entrevista com o ídolo e goleiro Sérvulo, do famigerado América de Natal, na "final" contra o São Paulo.
- a que não fiz: sobre o Eco-estádio Janguito Malucelli, em Curitiba (não havia ninguém para eu entrevistar sobre a inovadora casa do J. Malucelli, afinal estamos no dia 31 de dezembro...)

Enfim. Acho que as categorias tem se consolidado cada vez mais, cumprindo a missão de englobarem grande parte do que eu fiz no ano. É claro que novos itens devem entrar com o tempo, afinal tudo é dinâmico. E tomara também que eu tenha outros anos de blog para poder reeditar essa premiação, tão gloriosa quanto trabalhosa.

De resto, falta desejar ao intrépido leitor e à simpática leitora um feliz ano novo, com amor, saúde e felicidade - que é, convenhamos, resultado dos outros dois. Se 2008 repetir 2007, para mim já vai estar bom demais. Até lá, então!

O menino e o cão

Alto aqui do sétimo andar
longe, eu via você

e a luz desperdiçada de manhã

no copo de café

Do sétimo andar - Los Hermanos


Era o pior Natal de todos os tempos. Colocou a camisa social azul-marinho que ganhara para a ocasião e, finalizando o vestuário, tentou sorrir para o espelho. Não deu. O sorriso saiu assim, meio torto, sem sal. Tudo bem. André não tinha mesmo o que comemorar. A mãe, do lado de fora, já falava alto alguma coisa sobre o horário. Abriu a porta e disfarçou a vontade de chorar. Não queria preocupá-la.

Na sala pequena e confortável, a família estava toda reunida. O pai, alto, moreno e levemente barrigudo, tentava abrir a garrafa de vinho, sob a expectativa dos tios e dos avós. Todos riam e brincavam com a inabilidade do anfitrião, mas André ouvia tudo abafado. Estava ali, mas não estava. A mãe, depois de conferir orgulhosa o figurino do filho único, correu para a cozinha verificar se o pino do peru já havia desgrudado da carne, oficializando o início da ceia. Lá, as tias todas já paparicavam alguma coisa sobre a novela das oito.

Num dos cantos, havia uma árvore. Tradição da família desde sempre, lá estava ela: alta, próxima de alcançar o teto da sala de estar, com bolas vermelhas, cinzas e brancas, rodeada de fios reluzentes. André, parado no canto oposto, admirava a árvore preparada por si mesmo e pela mãe como se não fosse dono. O apartamento todo, aliás, não parecia ser seu lar. Para ele, faltava algo. E ele sabia o que era, embora tentasse esquecer.

Tudo aconteceu em um sábado de sol agradável, daquele que não machuca e que inspira caminhadas em parques. Foi nesse dia que, com a permissão da mãe, decidiu descer os sete andares para passear com Bilu, um poodle toy frágil, com a cara de quem precisa ser cuidado todas as horas do dia, com o perigo de perder-se no mundo. O cãozinho era mesmo frágil, tinha alguns problemas de nascença. Mas fora o melhor presente que André ganhara na vida.

Naquela tarde até então agradável, André calçou a sandália, pôs o short e, mesmo contra a vontade, aceitou a sugestão da mãe em colocar uma regata. Feliz com a aventura que estaria por vir, o pequeno desceu pela escada acompanhado pelo saltitante companheiro. Uma vez na rua, deixou a coleira de lado e permitiu que Bilu tomasse um ar. Foi o erro. O cão correu para a esquina, talvez atrás de um poste. De repente, sem que André pudesse pensar, um carro escuro parou, um moleque cabeludo - filho da puta! - desceu e, sem olhar para os lados, pegou Bilu com uma mão, entrou no carro e saiu em disparada.

Inconsolável, André pensou em pedir ajuda a quem passava, mas não havia ninguém na rua. O porteiro, pouco solicito, deu de ombros. No máximo, interfonou para a mãe do menino para comunicar o ocorrido. Passaram-se quase seis meses e, desde então, André vive um pouco mais triste. O sentimento de perda, para ele, parecia irremediável. Os pais fizeram de tudo, mas o órfão do cão não tinha vontade de sair do quarto. Há pouco tempo atrás é que voltou, ainda meio ressabiado, ao cotidiano normal.

E aquele Natal não teria graça nenhuma sem Bilu. A história do desaparecimento do cão de estimação não lhe saía da cabeça desde aquele sábado ensolarado. Antes de dormir, repetia sem querer a cena, enchia os olhinhos de lágrimas e dormia. Nem os avisos para a vizinhança, nem os cartazes feitos a mãe espalhados pela redondeza trouxeram de volta Bilu.

Agora estava ali, encostado na parede, vendo a família comemorar o Natal. Os minutos em que ficara paralisado, repassando pela milésima vez o episódio, chamaram a atenção da tia, que o colocou em algum assunto falado no sofá. André sorriu, conseguiu comentar algo coerente e saiu à francesa para a cozinha. Não tinha fome, e então voltou à sala, onde encontrou no tapete macio um bom lugar para deitar. Na tevê, algum especial de fim de ano que odiava, mas pelo menos o tirava daquele Natal sofrível.

Os olhos pesaram e ele quase caiu no sono. Um barulho de campanhia e um chamado do tio o chamaram a atenção. "André, venha cá!", ordenou a voz, que demorou a identificar. "Seu pai chegou e está te chamando aqui", completou. O menino levantou levemente cambaleante, esfregou os olhos com as mãos e não viu aquilo. Nas mãos do pai estava ele, Bilu. Sorridente como sempre, impaciente como sempre. André tentou correr, mas as pernas lhe traíam. Tanto que houve tempo para o pai caminhar da porta para o centro da casa, onde ele já era o centro das atenções.

"Filho, é teu", disse o pai, evitando maiores discursos por saber que não conteria as lágrimas. As tias, que naquele momento haviam largado a fofoca na cozinha para acompanhar o evento, também tinham os olhos marejados. Os avós tinham no rosto um ar contemplativo, aquele que só os avós sabem fazer com maetria, aquele em que entorta-se o rosto como quem diz "como é boa essa tal de felicidade". A mãe, ainda com o avental e com o pano de prato nas mãos, não teve ação para nada. Chorou copiosamente.

André, que não viu a reação de nenhum dos presentes ali, mantinha os olhos fixos no olhar do cão. Ele estava de volta. Ele, branco, pequeno, sorridente. Ele, Bilu. Quando o pai passou o filhote para o filho, André o tomou nos braços e, bem baixinho, só conseguiu dizer: "Eu sabia que você voltaria, Bilu, eu sabia". E em seguida comprimiu os braços que já envolviam o cãozinho, quase sufocando-o com a injeção de carinho e felicidade que o tomava. Era o melhor Natal de todos os tempos.

Por Julio Simões, em 25 de dezembro de 2007.

Humano

Saí do cinema pensando em frases para resumir o que seria Jogo de Cena, nova obra de Eduardo Coutinho. Não deu. No final, deixo uma outra frase pensada - e falada - bem mais tarde, quando já tinha, talvez, uma opinião mais formada sobre o filme. E digo: não deixe de ver.

"Mesmo se não tivesse feito outros filmes (Cabra marcado para morrer, Santo Forte, Babilônia 2000, Edifício Master, Peões e O Fim e o Princípio), os quais eu não vi, Eduardo Coutinho já poderia ser, só por Jogo de Cena, considerado um gênio"

Chefito

Era um sábado qualquer. Qualquer não, porque eu trabalhava, mas enfim. Eu não ia sair de casa e não queria ficar vegetando no sofá. Durante a tarde, então, em meio à notas futebolísticas, decidi que ia fazer uma coisa que eu sempre penso, mas que a preguiça me barra: cozinhar. Isso, fazer alguma coisa para comer sem usar microondas ou telefone.

Nas pesquisas preliminares, descobri que existem blogs voltados para isso, para pessoas do sexo masculino com pouca ou nenhuma habilidade e/ou saco para cozinhar a própria comida. Existe o Culinária Masculina e o Homem na Cozinha, por exemplo, que pelo nome já dizem para quê foram criados. Enfim, recorri a eles e fechei meu cardápio para aquela noite: strogonoff rápido.

Deixei a redação tarde, lá pelas 21 horas, e rumei determinado para o Extra mais próximo. Porque acredite, meu caro, é preciso determinação para não desistir nessa hora. Lá, enchi o carrinho com carne picada para strogonoff, molho de tomate, creme de leite, cebola, batata palha apimentada. Chegando em casa, meu ânimo ainda era surpreendentemente grande.

Descasquei cebola como um operário-modelo de porão de navio. Deixei tudo meio à mão para a hora decisiva - de jogar tudo na panela - como se fosse uma experiente merendeira de escola pública. Coloquei tudo na hora certa com a precisão de um relojoeiro suíço. No final, minha primeira aventura gastronômica estava concluída. Lá estava o strogonoff, quase como o da minha mãe - nunca, mas nunca, vai ser igual.

E acredite, meu caro: é legal. Se não bastasse a diversão de ficar analisando se as coisas dão certa quando colocadas na panela e o orgulho de provar - e aprovar - o prato pronto, ainda há o diferencial. Experimente, caro amigo, contar para um exemplar do sexo feminino que você gosta (ou ao menos tem interesse) de cozinhar. Experimente, então, dizer o que você fez. É fantástico, eu juro. Melhor que isso, só fazer ao lado dela.

Hardcore junk food! - Não vou ficar descrevendo todas as minhas aventuras culinárias por aqui, até porque senão ficar um saco esse blog. Mas a questão é que, semanas depois do strogonoff, decidi repetir a aventura na cozinha, desta vez com receita própria. Eis então que criei um superhamburguer, que no final das contas não consegui dar um nome decente. É realmente para os fortes.

Primeiro, comprei hamburgueres de 120g, ou seja, maiores que o pão redondo e com gergelim que comportaria a bagaça. Depois, ainda acrescentei queijo (duas fatias), tomate (uma rodela), a lot of cebola em rodelas fritas e o maravilhoso bacon que, veja você!, existe em rodelas também. Perfeito! Vale tentar construir (é uma verdadeira obra de engenharia, vai por mim) em casa. Só não me venha com esse papinho de colesterol, que eu não tenho nada a ver com isso!

Assim

A falta que me faz o tempo não pode ser medida em números.
Quero perder tempo, sim!
Perder num gramado verde, vendo a grama crescer semanalmente.
Perder num sorriso lindo e singelo, vendo cada músculo se alinhar ao redor da boca para compor a felicidade.
Perder no céu estrelado, vendo cada pontinho piscar, acender e apagar, nascer e morrer.
Perder numa xícara de café bem quente, vendo a fumaça ganhar contorno, criando figuras reais ou imaginárias.
Perder imerso no perfume suave e doce, sentindo cada pedacinho seu seguir do pescoço até as narinas.
Perder entre as palavras mal escritas em papel amarelado, vendo como cada letra, quando junta da outra, traz à tona um universo de sensações indescritíveis até pelos melhores adjetivos do mundo.
Quero perder tempo, sim! Assim.

Por Julio Simões, de uma Starbucks, em 10 de dezembro de 2007.

Arte-futebol

Era um domingo diferente. Há alguns dias eu esperava por aquela hora, mais precisamente a 10ª hora daquele 25 de novembro de 2007, quando eu estaria diante do estádio Rodolfo Crespi, na tradicional Rua Javari, dentro do acolhedor bairro da Mooca, tudo isso na zona leste de São Paulo.

Apesar da tranquilidade típica de um dia de descanso, havia algo de diferente nas ruas daquele bairro, cuja paisagem é composta principalmente por galpões, casas antigas e restaurantes italianos. O que havia ali era, na verdade, a sensação de que uma parte da história novamente poderia ser escrita.

Digo novamente porque o estádio já acolheu um feito histórico. Em 2 de agosto de 1959, Pelé fez aquele que considera o gol mais bonito da carreira, que, embora não tenha sido registrado em imagens, foi reconstituído graficamente para o filme Pelé Eterno e lhe rendeu um busto no interior do estádio.

E aquele 25 de novembro em que estávamos também podia abocanhar um pedacinho da história do futebol. Afinal, ali se definiria o campeão da Copa FPF, torneio que garante ao vencedor uma vaga na Copa do Brasil e ao segundo colocado o "consolo" de jogar a Série C do Campeonato Brasileiro.

Para isso, estavam frente a frente dois times pelos quais tenho considerável afeição. De um lado, o anfitrião Juventus, clube grená dos mais simpáticos e tradicionais do futebol brasileiro que adotei como time paulistano. Do outro, o visitante Linense, time da cidade de Lins, que devido a proximidade com a terra natal Promissão passei a torcer.

Matar ou morrer - Faltavam aproximadamente dez minutos para o árbitro dar o sinal e autorizar a peleja, mas os arredores do acanhado estádio ainda ferviam. Entre as bandeiras juventinas e as faixas de campeão vendidas antecipadamente, era possível ver até algumas (isso, plural) redes de televisão registrando a final.

Nas arquibancadas, todos os quase 4 mil torcedores (segundo dados oficiais) procuravam a melhor vista para acompanhar a batalha da camisa grená com a branca de detalhes vermelhos. Ao Juventus, além da torcida majoritariamente ao seu lado, havia a vantagem do empate, uma vez que conseguira a vitória por 2 a 1 na ida, em Lins.

Em campo, os times personificaram o espírito da final e não se entregaram. Para exemplificar o jogo, cabe acelerar o relato para o segundo tempo, quando os times já empatavam em 1 a 1, após o Juventus ter saído na frente, mas sofrido o empate ainda antes do intervalo.

Precisando vencer, o Linense não recuou. Ao contrário, buscou o ataque durante toda a etapa final e marcou o segundo gol aos 38 minutos. O tento renovou o ânimo dos visitantes, que apoiados por quase 500 torcedores barulhentos e fanáticos, conseguiram aumentar para 3 a 1 já nos acréscimos, aos 47.

Esse gol, caro leitor e simpática leitora, era a história. Sim, um time que havia perdido o primeiro jogo em casa e estava perdendo por grande parte do primeiro tempo, conseguiu virar o placar e ainda construir a vantagem necessária para deixar o estádio em silêncio, pasmo com o que estava se passando ali.

Porém, algum sábio já disse que o jogo só acaba quando termina. E aos 49 minutos, quatro além do tempo regulamentar, a bola foi tocada com cuidado pelo Juventus até a entrada da área, onde João Paulo, provavelmente temendo ouvir o apito que decretaria o fim do sonho da conquista, chutou forte para o gol de Gilberto.

O goleiro do Linense, provavelmente com a adrenalina nas alturas, mirou a pelota para completar a defesa, repor a bola e esperar o sopro final. Porém (e sempre há um porém, em tudo na vida), entre os 500 homens que pareciam se amontoar dentro da área, havia uma perna. Uma perna não identificada, que tirou a bola da rota e a colocou nas redes.

De um lado, o sorriso largo da conquista, tão sincero quanto aquele que surge no canto da boca após um desejado beijo ou quando um dinheiro é achado num obscuro bolso de uma calça qualquer. Do outro, a decepção da derrota, tal qual o sentido ao final de grandes batalhas ou de uma prova difícil.

Não é possível saber, no entanto, se aquela manhã na Rua Javari foi realmente histórica. Talvez alguns se lembrem da fatídica partida daqui a alguns anos com orgulho, talvez o jogo caia no esquecimento e vire arquivo na história do esporte bretão. Não sei. Porém, é certo que para os quase 4 mil presentes ali, aquela manhã na Mooca não foi mais uma. Foi, até certo ponto, histórica para cada um.

Mais do mesmo?
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Cão

Há sempre uma semana do cão na faculdade.
Até mesmo em Jornalismo, acredite!
No meu caso, foi a última deste ano.
Agora acabou, acho.
Logo, posso voltar ao ócio (às vezes criativo).
De onde nunca devia ter saído.

Novas: Odeio diário, adoro Twitter (aka Direto da Redação).

12º andar: conheça o Piauí

Adoro elevadores. Embora seja um pouco contrangedor dividir um cubículo com um desconhecido (lê-se vizinho), é fato que a caixa de ferro rende algumas boas histórias, sem contar a expectativa da "parada" brusca e inesperada antes do destino (lê-se elevador quebrado). A postura, aliás, quase sempre é a mesma. No máximo, um bom dia. Sorriso? Nem sempre. Conversa? Só as de... elevador.

- Quando é que vai parar essa chuvinha chata, hein?
- Hã? Ah, sim. Não sei. Mas a previsão diz que deve continuar mais dois dias.

E é sempre assim. Depois da audácia de puxar assunto, o que vem é uma enxurrada de amenidades, que vão desde a previsão de tempo na sempre chuvosa São Paulo até a situação futebolística do Corinthians. Só uma vez ou outra é que aparecem assuntos diferentes durante o minuto de trajeto entre, no meu caso, o 12º andar do prédio e o térreo da alameda Santos.

- Ah, quando eu me aposentar vou dar o pé daqui. Não dá para aguentar esse clima não.
- Hum. Sempre essa chuvinha chata, né?
- É. Lá no Piauí não é assim, não. Lá é solão o ano interior, dá até pra fritar um ovo no asfalto.
- O senhor é de Teresina mesmo?
- Não, uma cidade ali do lado: Parnaíba. Teresina não dá para morar não, é muito quente.
[Térreo]
- Eu já estive em João Pessoa, na Paraíba...
- Ah, é ali pertinho. Mas o Piaué é muito bonito, viu? Tem a praia Luiz Correia, que é um lugar bom pra passear...
[Portão]
- Sei... e é barato, né?
- Ih, é baratinho. Vale a pena ir.
[Virada à esquerda: abortada]
- É, deve ser mesmo um bom lugar pra conhecer...
- É sim. Pega um avião que vai direto e pronto, está lá.
[Nova virada à esquerda: abortada]
- Ah, sim... bom saber disso.
- É isso aí, menino. O Piauí é um lugar que vale a pena conhecer...

Sem hesitar, o senhor de forte sotaque nordestino, bem vestido com uma camisa branca e calça social, atravessou a rua no farol aberto e só teve tempo de acenar um tchau, já um pouco mais íntimo do que qualquer balançar de cabeça. Nunca o vi por lá, não sei quem é e provavelmente não o encontrarei mais. É, mas tá aí uma boa opção de viagem: praia Luiz Correia, Teresina, Piauí. Anotei na mão para não esquecer e segui andando.

Memórias

Ela vai partir. Eu vou ficar. Ela vai pensar em mim o vôo todo. Eu vou dirigir desatento, tentando não chorar. Ela vai desembarcar em Lisboa ainda com o o gosto do beijo na boca. Eu vou abrir a porta do apartamento vazio e caminhar lentamente até o porta-retrato. Ela vai chorar sozinha no fim de cada dia. Eu não vou conseguir trabalhar, comer, viver.

- Fica, vai.
- Não posso, você sabe.
E depois do silêncio veio o abraço mais longo do mundo, seguido do beijo mais intenso do mundo. Pelo menos para eles.

Ela partiu. Eu fiquei. Ela pensou em mim o vôo todo, mas recorreu à bebida oferecida e até fez uma amizade. Eu dirigi desatento, quase bati o carro, mas cheguei a cidade com vontade de beber com os amigos. Ela desembarcou em Lisboa com o gosto do último beijo na boca misturado com o do uísque servido pela aeromoça arrogante. Eu abri o apartamento e só tive forças de cair no sofá, bêbado. Ela chorou baixinho, escondida no banheiro. Eu não consegui comer, trabalhar e viver. Ambos só por uma semana.

Hoje, duas semanas depois, não nos falamos mais.

Por Julio Simões, de Cumbica, em 21 de setembro de 2007.

Auto-crítica de mim mesmo

Passou a vida toda atrás do microconto. Morreu em branco.

É, Julio... pra você ver que dá pra escrever uma história com, no máximo, cinqüenta letras (regra número um dos adoráveis microcontos).

Então vê se aprende a escrever/enrolar menos por aqui, tá? Senão ninguém te lê, menino!

Ex

Fazia tempo que a gente não se via. Foi num supermercado que nem eu, nem ela frequentávamos.
- Rodrigo?
- Lívia!
E sem hesitar, os corpos se aproximaram, mas só os rostos se tocaram. E de leve.
- Há quanto tempo!
- É... há quanto tempo...
- Você parece desanimado, Rodrigo?
- Desanimado? Talvez.
Ela nunca me chamou de Rodrigo antes. No começo, era Assunção, o sobrenome, mas depois da festinha em que passamos uma hora agarrados no banheiro, passei a ser apenas Rô para ela. Agora, voltei ao status de Rodrigo.
- E como estão as coisas, hein? - perguntou ela, com aquele olhar lindo de curiosidade que só ela tinha.
- Ah, vou seguindo.
- Ainda na revista?
- Não. Deixei a vaga há oito meses. Estou escrevendo um livro agora.
A resposta saiu seca, de sopetão. Foi a única coisa que eu consegui dizer, quando na verdade queria falar "É, Lívia, desde que você foi embora, minha vida virou um inferno. Não deixei a vaga, fui demitido. E não tem livro nenhum, eu tô desempregado mesmo". Não disse nada disso, claro.
- Hum, pena. Mas tomara que dê certo então. Quero ler, hein! E não me deixa fora do lançamento, querido!
- Ah, pode deixar. Ainda devo ter seu telefone registrado no celular.
E tinha o celular, o telefone da casa, da casa da avó dela, o endereço, o e-mail, e até as referências para chegar à casa de campo. Todas na memória.
- Então tá, Rô. Me liga quando quiser, tá?
Confesso que o Rô me balançou, mas não havia mais nada a fazer. Eu queria, ela não.
- Tudo bem, Lívia. Ligo sim.
E os dois saíram com a sensação de que o próximo encontro só daqui uns mil anos. Quem sabe num desses supermercados que nenhum dos dois frequenta.

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Fazia tempo que a gente não se via. Foi num supermercado que nem eu, nem ele frequentávamos.
- Rodrigo?
- Lívia!
E sem hesitar, os corpos se aproximaram, mas ninguém teve coragem de tirar as mãos do carrinho de compras. Tive que tomar a iniciativa.
- Há quanto tempo!
- É... há quanto tempo...
- Você parece desanimado, Rodrigo?
- Desanimado? Talvez.
Apesar da coragem em abordá-lo e de toda a iniciativa, não consegui chamá-lo de Rô, o apelido carinhoso que mantive por quase dois anos. Afinal, há dez meses havíamos brigado e ele quase me agrediu. É, acho que foi melhor chamar de Rodrigo mesmo.
- E como estão as coisas, hein? - perguntei a ele, que mais parecia imerso num mundo paralelo. Ele sabe que eu adoro essa cara de contemplação, claro. E esses lindos olhos verdes, então! Canalha.
- Ah, vou seguindo.
- Ainda na revista?
- Não. Deixei a vaga há oito meses. Estou escrevendo um livro agora.
Ah, tá. Um livro!?! Ele nunca termina nada na vida e acha que agora vai conseguir lancar um livro?? Pfff. É essa falta de ação dele que me deixa puta, sabe? E pensar que foi por isso que brigamos...
- Hum, pena. Mas tomara que dê certo então. Quero ler, hein! E não me deixa fora do lançamento, querido!
- Ah, pode deixar. Ainda devo ter seu telefone registrado no celular.
Se ele ainda tinha, eu não sei. Só sei que eu ainda tinha o dele. E quase liguei duas vezes. Tempos de crise, né?
- Então tá, Rô. Me liga quando quiser, tá?
Droga. Rô não! Burra.
- Tudo bem, Lívia. Ligo sim.
E os dois saíram com a sensação de que o próximo encontro só daqui uns mil anos. Quem sabe num desses supermercados que nenhum dos dois frequenta.

Por Julio Simões, em 23 de outubro de 2007.

Por um fio

31 de março de 1964. Sob a justificativa de um iminente avanço comunista no Brasil, os militares decidiram pela interrupção do governo do então presidente João Goulart (mais conhecido como “Jango”) por meio de um golpe de estado. A partir daí, o país viveu uma dos períodos mais complicados de sua história, em que a perseguição implacável aos apontados como “simpatizantes ao comunismo” e a repressão aos órgãos de imprensa eram práticas comuns.

O golpe, no entanto, não foi algo repentino. O contexto internacional da Guerra Fria – disputa silenciosa entre Estados Unidos e União Soviética, nações posicionadas a favor do capitalismo e do comunismo, respectivamente – e as tendências esquerdistas de Jango ajudaram a construir um cenário propício para o golpe.

Porém, o início da derrocada do regime se deu anos antes, em 1961, quando o presidente Jânio Quadros renunciou ao cargo alegando a pressão de “forças terríveis” e o vice João Goulart foi impedido de assumir por estar em viagem à República Popular da China. Neste momento, Ranieri Mazzili assumiu provisoriamente a função, mas uma campanha liderada por Leonel Brizola devolveu a Jango o direito de ser presidente. Contudo, decidiu-se pela mudança de regime político (parlamentarismo), o que acabou enfraquecendo a posição reassumida pelo ex-vice de Jânio Quadros.

Em 1963, entretanto, as pressões contra o novo regime aumentam e provocam a realização de um plebiscito para escolher entre a manutenção do parlamentarismo e a mudança ao presidencialismo. Com a vitória da segunda opção, Jango voltou ao poder, posição que ocupou apenas até o dia 31 de março de 1964. Neste dia, foi instaurado o regime militar no Brasil, que duraria até 1985, com a redemocratização alcançada pela campanha popular das “Diretas Já”.

As conseqüências imediatas do dia do golpe também refletiram em todo o país. Enquanto as tropas buscavam Jango, que se refugiava no Rio Grande do Sul, outras cidades do país também iniciavam sua “caça às bruxas”. Até mesmo a pequena Promissão, localizada a noroeste da capital São Paulo e com cerca de 20 mil habitantes na época, sofreu com a perseguição aos “simpatizantes do comunismo”.

Em Promissão, assim como em grande parte das cidades interioranas de pequeno e médio porte, era comum que se discutisse política nas mesas dos bares, em debates acalorados regados a café, sanduíches e refrigerantes. Nestes lugares, reuniam-se professores, advogados, intelectuais e estudantes, que formavam grupos de opiniões geralmente favoráveis às idéias esquerdistas (reforma agrária e nacionalização de setores da economia) e acabavam conflitando com aqueles que as rejeitavam.

Um dos participantes esquerdistas destas rodas políticas era M.*, de 29 anos. Professor de segundo grau, lecionava sociologia há dois anos em um colégio público da cidade e era casado há sete com a também professora C.*, com quem já tinha dois filhos gêmeos. O terceiro filho do casal, aliás, estava perto de nascer.

Nesta época, um núcleo do Comando de Caça aos Comunistas (CCC), formado na cidade principalmente por comerciantes, fazendeiros, sitiantes, religiosos e políticos, todos contrários ao comunismo, reuniram-se para listar aqueles que eram considerados uma “ameaça” à nova ordem. Em uma primeira “varredura”, o nome de M. figurou na lista dos promissenses ligados ao comunismo.

Logo no dia seguinte ao golpe, o grupo direitista assumiu a função policial e passou a prender os membros listados na cadeia local. Naquela tarde, o escrivão da delegacia da cidade era um dos responsáveis por localizar os listados e relatar ao grupo, para posterior prisão. Seu primeiro alvo foi, então, o clube social no centro da cidade, local de grande movimento e freqüentado principalmente por jovens.

Logo na entrada, o escrivão deparou-se com M., que o cumprimentou amistosamente. Após realizar a vistoria nas piscinas e nos bares, deixou o recinto com a missão cumprida. M., por sua vez, só ficou sabendo da onda de prisões na cidade à noite, quando passou na casa dos pais e ficou sabendo que seu irmão A.* estava entre os detidos.

Temendo ser o próximo da lista, M. ficou mais recluso do que a rotina o obrigava, principalmente porque as aulas naqueles dias foram suspensas devido a instabilidade política no município. Neste período, o professor chegou a queimar alguns livros de sociologia e política, que poderiam servir como prova contra ele caso acabasse preso pelo CCC.

No terceiro dia de perseguição, as famílias das vítimas começaram a pressionar o prefeito Antônio Figueiredo Navas pela libertação dos prisioneiros políticos. O administrador decidiu então consultar o governador Adhemar de Barros sobre esta possibilidade, indo inclusive ao seu encontro, em São Paulo. Dias depois, na volta da viagem, veio a aguardada notícia: Navas conseguira a autorização e ordenou a liberação imediata dos presos.

Com a ordem dada pelo prefeito, os ânimos se acalmaram em Promissão. O que M. não entendia, porém, era porque havia sido poupado pelos membros do CCC. Tempos depois, soube que seu nome, na verdade, havia sido riscado da lista pelo cunhado, que fazia parte do grupo de perseguidores. Tudo por um só motivo: R., a primeira filha de M., que nasceu 25 dias após o professor quase ter sido preso por comunismo.

*Esta é uma obra de ficção baseada em fatos reais. Para preservar a identidade das pessoas envolvidas, os nomes verdadeiros foram omitidos e trocados por letras.

Por Julio Simões, em 4 de novembro de 2007

À mostra

Depois de ter assistido apenas ao excelente Trem da Vida no Masp durante toda a Mostra do ano passado, este ano compareci a cinco filmes. Se você pensar bem, quintupliquei a minha marca anterior (dizem que contar filmes é cult, né? rá!) e ainda vi dois filmes que aposto serem fortes candidatos a prêmio. Um bom saldo para quem tem vida fora do festival.

O primeiro que vi foi Sonhando Acordado, um dia depois de abortar a sessão do argentino Las vidas posibles. E a Mostra, para mim, começou da forma mais tradicional possível: com o sol a pino fritando os miolos e alguma confusão. Mesmo assim, nem as fãs de Gael nem a desorganização do péssimo Cinesesc me impediram de assistir a um filme sensível, simples e muito bem feito. Um bom exemplo de como se faz cinema com criatividade em cima de uma história comum, explorando bem o limite mínimo existente entre sonho e realidade.

No dia seguinte, nova experiência no vão livre do Masp. O lugar não chega a ser uma sala de cinema propriamente dita, tem barulho de carros e ônibus passando, mas ainda assim é interessante assistir a um filme enquanto o mundo acontece em volta. A chuva que caiu no dia e as crianças presentes (que sempre demonstram as emoções de forma mais verdadeira possível) também transformaram a sessão da aguardada animação nacional Garoto Cósmico em um evento marcante na minha Mostra. E a sessão aconteceu com a presença do diretor Ale Abreu, todo orgulhoso do "filho" que levou sete anos para ficar pronto.

Depois, fui assistir a comédia francesa La Créme, sobre um pai de família desempregado que ganha de Natal um creme mágico que o torna conhecido, praticamente uma celebridade instantanea, com todas as suas vantagens e desvantagens. O filme é engraçado, tem boas sacadas e superou as minhas expectativas, que são sempre ruins quando se fala em cinema frances. O melhor de tudo, no entanto, foi ver que é possível fazer um bom filme com pouco recurso. Basta ter uma grande idéia. Mais uma vez o diretor - o frances Reynald Bertrand, que tambem é responsável pela montagem, pelo roteiro e pela fotografia - esteve presente na sessão e comentou justamente o fato de não ter tido recursos e mesmo assim ter conquistado espaço em festivais, como a Mostra.

Dias depois, fui ver o aguardado O Banheiro do Papa, uma parceria entre Uruguai e Brasil que retrata a situação da pequena cidade uruguaia Melo, localizada na divisão com o Brasil. Lá, a pobreza do país vizinho é evidente e bem retratada, sem apelação. A história, entao, gira em torno da visita do Papa Joao Paulo II ao vilarejo em 1989, que passa a ser a chance de dinheiro extra para a fragilizada população do municipio. Acredite: o filme é lindo, tanto pela estetica quanto pela narrativa. E é essa junção que eu acho que vai ganhar algum premio - o texto levou tanto tempo para ser escrito que o filme já ganhou, o do júri especializado!

No mesmo dia, acabei entrando sem pretensoes na sessao de Pequenas Historias, filme brasileiro de Helvecio Ratton - que esteve na sala para apresentar ao publico sua criaçao, voltada para as crianças, mas acessível também para aqueles que as levam ao cinema - que reune quatro contos curtos que parecem mais lendas. Sob a justificativa de quem conta um conto aumenta um ponto, Marieta Severo conduz e costura uma série de capítulos sensíveis e dotados de moral. Se nem todos são tão bons, vale destacar aqueles em que atuam os brilhantes Gero Camilo e Paulo José.

Por fim, fiz da minha última ida a Mostra mais uma chance de ver um filme nacional: Estômago. No começo, achava que o filme seria mais um daqueles novelescos típicos da GloboFilmes, mas a historia vai ganhando forma e, especialmente pela maneira como é contada, se torna diferente do habitual, o que já é um ponto positivo. Além disso, o elenco - as revelaçoes João Miguel e Fabiula Nascimento, especialmente - corresponde e torna o filme uma grata surpresa. Sai achando que seria um forte concorrente para o premio de melhor pelicula brasileira, mas Estórias de Trancoso foi o escolhido.

Enfim, foram bons dias indo ao cinema com pretensoes minimas para depois acabar se surpreendendo com quase tudo. Agora, caro leitor cinefilo, é buscar manter o desempenho de filmes vistos no ano que vem e chegar mais perto nos chutes dos premiados. Até lá.

A questão

"Muitas vezes a mente deveria assumir a capacidade de agir"

Esta frase estava escrita à mão, em uma letra provavelmente feminina, num papel que encontrei um dia no corredor da faculdade. Até hoje eu não sei direito o que significa e muito menos quem a redigiu. Ainda assim mantenho o pedaço de almaço dobrado dentro da minha carteira. Pensando nela, pergunto:

Por que quanto mais a gente pensa antes de agir, mais acha que não deve pensar antes de agir?

Osso duro de roer

Antes:

Cena 1: Era um fim de tarde em um McDonalds da Avenida Paulista. Cinco meninos de aparentes 12 anos, alunos de um famoso colégio de classe alta da capital, se empurram e lançam frases de coerção uns aos outros: "Você é moleque!", "Mas é um fanfarrão mesmo!", "Perdeu, playboy, perdeu!", divertem-se. Para eles, penso eu, deve ser mesmo legal ser um policial. Eu, quando pequeno, queria ser astro do rock ou coisa parecida. Enfim, tempos modernos.

Cena 2: Era tarde da noite em um apartamento da mesma região central de São Paulo. Cinco ex-universitários (hoje formados, todos em jornalismo) discutem pirataria, tortura e repressão policial. Há quem defenda o afrontamento da polícia ao tráfico de drogas, e quem considere que a pirataria seja a necessidade cada vez maior de uma política de liberalização dos direitos autorais. Eu, no sofá, só ouvia a discussão que seguia cada vez mais acalorada.

Desde que o filme Tropa de Elite caiu na mão dos piratas modernos por ingenuidade de um responsável pela legenda do filme (aliás, você lembra quem foi? estranho, ninguém mais fala nisso...), o que aconteceu foi um verdadeiro bombardeio de opiniões, discussões e expectativa, pelo menos por parte daqueles que esperaram o lançamento oficial - meu caso.

A produção, aliás, tinha exibição prevista apenas em algumas salas de São Paulo, mas acabou sendo o lançamento do ano até aqui, apesar de o filme de José Padilha (com 700mil nos 10 primeiros dias) ainda perder em público para os novelescos "A Grande Família" (2 milhões) e "Primo Basílio" (790 mil) - mas será que alguém ainda se lembra quem é Nenê ou Luísa?

Só que a pirataria alavancou, como nunca, o lançamento da película e, melhor, suscitou a discussão acerca de assuntos que sempre existiram, mas antes era empurrados para debaixo do tapete. O ponto que me preocupava antes de ter contato direto com o filme mais falado do ano, porém, era outro. Era mais embaixo, diria.

Depois:

Após ver o filme, a sensação de generalização é inevitável. Afinal, a polícia carioca (e conseqüentemente, a brasileira) é corrupta. A corrupção, aliás, vem de cima para baixo e, com isso, não há como quebrar o sistema podre de poder. O BOPE (Batalhão de Operações Especiais), porém, é incorruptível e luta pela população por ideologia, mesmo que tenha que atirar sem ter certeza e colocar saco na cabeça de suspeitos para conseguir este objetivo.

O problema todo, então, começa com o consumo banal de drogas, especialmente de universitários, que são todos maconheiros fúteis e filhinhos-de-papai. Diante deste cenário de terror, só há uma solução: Capitão Nascimento (que já tem até nome de super-herói) e sua mão firme contra o crime. Afinal, só a polícia "que entra em ação quando a polícia comum já não resolve mais" é que pode salvar.

Claro que quase tudo isso é uma visão distorcida, mas que é facilmente passada para quem não vive ou assiste ao vivo essa realidade de guerra nos morros - caso de 98% dos espectadores do filme, creio eu. E isso é bastante perigoso, claro. Afinal, é fácil vender a idéia de que só a repressão resolve e convencer a população que só um Nascimento salva. Pior que isso, só se o vendedor da idéia for político.

Porém, o que eu mais temia não era isso. Era mais interno, silencioso e ameaçador. Afinal, alguém pensou o que a influência do filme e da fama do BOPE pode fazer com aqueles jovenzinhos de 12 a 15 anos, que jogam violência nos videogames e repercutem as ações mais ofensivas de um filme agressivo como brincadeira? Talvez a cena 1 representada acima seja o maior problema de Tropa de Elite, afinal não há censura ou regulamentação para isso. Só espero que a cena 2 seja o futuro - e a solução, conseqüentemente - disso tudo.

O grande festival de São Paulo

Ah, outubro! O mês mais adorado por aquela gente de óculos de armação grossa que vai a um milhão de filmes apenas com a finalidade de competir com outras pessoas de óculos de armação grossa em quantidade de películas vistas.

É a época que uma região de São Paulo - a Paulista, para ser mais específico - praticamente gira em torno dos cinemas e das pessoas. É um corre-corre sem fim, e durante 15 dias aproximadamente.

O que a maioria não sabe, no entanto, é que existe um evento mais importante do que a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo em outubro. Sim, caríssimo leitor e belíssima leitora!

Pois é o Boteco Bohemia, competição saborosa de petiscos regada à muita cerveja (aquela que patrocina toda a festa, claro, não qualquer uma).

O "festival", que começou no dia 1º e vai até 31 deste mês, elegerá entre os 31 bares participantes o melhor petisco da cidade, que será condecorado na Festa da Saideira no final do concurso.

Então me diz: no mês em que se pode degustar petiscos inesquecíveis nas surradas mesas de bar, pra quê rodar cinemas atrás de filmes e mais filmes? Hein?

Se interessou? Acesse o site oficial do Boteco Bohemia.
Achou o post estúpido e está querendo me esganar porque acha que eu odeio a Mostra (o que não é verdade, diga-se de passagem)? Acesse o site oficial da Mostra SP.

A saga

Era um final de tarde de uma quinta-feira qualquer. Entendiado, decido ler uns blogs, o que acaba me motivando a criar o meu. Ter um "diário virtual", aliás, não era tão novidade assim para mim. Na época de cursinho, criei o meu primeiro blog, mas seu conteúdo fraco e sua atualização esporádica o fecharam ao final dessa fase, apesar do carinho que ainda tenho pelos fatos registrados lá.

Mas história à parte, voltemos àquele final de tarde de uma quinta-feira qualquer. Na verdade, vivia aquele momento sem saber que seria histórico. Afinal, naquele dia 5 de outubro de 2006 nascia o Tira uma foto! (isso, com interrogação à la Ira!), blog cuja finalidade era tornar útil o celular recém-adquirido (um Siemens C72, que me acompanha até hoje) e sua câmera fotográfica.

O nome, aliás, é um caso à parte. Isso porque praticamente 100 dias depois de sua oficial fundação como Tira uma foto!, decidi trocar do nome. Para explicar sucintamente essa mudança tão significativa, recorro a um post de 15 de janeiro deste ano, data oficial da troca:

Três meses e dez dias do lançamento e mais de mil visitas no contador, decido mudar o nome deste espaço. Explico. O nome Tira uma foto! foi bolado depois de horas a fio frente ao computador e tinha como mote a publicação de fotos tiradas pelo celular. O problema é que com o tempo e com a falta de imagens interessantes para postar, o nome passou a não fazer mais sentido.

Diante disso, decidi mudar. O método? Pelo comunicador instantâneo, contactei um amigo e leitor assíduo - aê Diegones - e pedi um nome. Como nenhum dos dois teve idéia válida, peguei o livro mais próximo (o clássico D. Quixote, de Cervantes) e perguntei uma página a ele - ao Diego, não ao livro. 174. Corri as folhas e procurei a mais interessante palavra. Alforje, Bendito Alforje. Belo nome, o problema foi a grafia. Podiam confundir o J com G ou ainda o L com U ou O. E ainda tinha o lado mercadológico da memorização.

Passei os olhos mais para cima e descobri a frase "senão o de satisfazer o estômago com os restos que do despojo clerical...". Sim, despojo, que já no dicionário descobri ser, entre outras coisas, fragmentos, restos.

Enfim. Os tais três primeiros meses foram praticamente um período de experiência para mim e para o blog. Só depois disso é que chegamos a um formato que considerei ideal, fato este marcado pela mudança de nome e da "linha editorial", digamos assim. Neste período inicial, porém, posso destacar alguns posts que considero importantes na curta história deste espaço.

A começar pelo primeiro post, que trás a melhor foto já tirada pelo C72. Dias depois, o segundo post trás o primeiro texto de ficção publicado no blog, que também nascera com a finalidade de ser a base de todos os meus "textinhos de quinta categoria escritos nas tediosas aulas", como eu mesmo dizia na descrição do blog. O mini-conto, aliás, é o que considero mais perto da perfeição, dentre os já escritos por mim.

Naquele mês de estréia, ainda tivemos um post que virou música - pelo menos o começo, vai... - e um princípio de trilogia que nunca teve fim. Aliás, se é possível classificar meus textos por fases, considero aquela como sendo a "romântica". Neste período, destaco um em que os dois personagens são simplesmente a alegria e a tristeza e outro em que a dupla de personagens é formada por um cara com incrível poder de extrair a essência das mulheres e uma mulher que consegue encantá-lo a ponto de anular esse dom.

No final do ano, ainda na fase antiga do blog, publico o primeiro "balancete" do espaço: os Highlights 2006. Além disso, o Despojo também foi lugar para algumas descrições pseudo-jornalisticas das minhas reportagenzinhas para a GazetaEsportiva.Net. No começo do ano, ainda tive a sorte de acertar na escolha da minha viagem de férias e fui para a Argentina. Mesmo sozinho, a viagem rendeu uma série de posts sobre a capital argentina.

Depois, damos um salto para maio, já que fevereiro, março e abril foram épocas de vacas magras no blog. No dia 8 do quinto mês do ano, então, veio o post de maior sucesso até aqui: a minha entrevista com o gordo Jô Soares, em ocasião do meu aniversário, comemorado um dia antes. O tal post, aliás, é o detentor do recorde de comentários em um só post até aqui: 11. Além do mais, foi nesse mês que dei espaço pela primeira (e única) vez a um convidado. Ainda espero ter outros, no futuro.

O mês de maio foi mesmo especial. Teve texto metido a engraçadinho, teve texto criado num almoço solitário, teve confissões de uma das minhas loucuras. Teve até a tentativa de escrever o texto mais violento já escrito por mim! Enfim. Depois, já em junho, pus em prática uma idéia um tanto quanto antiga: as minhas pequenas teorias cotidianas - até agora, já publiquei as duas que tinha, a do All-Star e do celular, e continuo alerta para buscar novas evidências ignoradas pelos cientistas.

Se julho também foi um mês produtivo, em que publiquei, por exemplo, a minha história mais longa e elaborada até aqui, o mês de agosto foi de crise. Além de nada muito relevante entre os sete posts, ainda brindei o público fiel com a mensagem mais impulsiva que já mandei por aqui. Desde então, foram 37 dias descansando do blog. Nenhum post, nenhum comentário, nenhum sinal de vida. Até agora, em outubro, quando em função das comemorações do primeiro aniversário deste espaço, resolvo sair da toca e escrever.

O aniversário do Despojo, aliás, já é motivo de controvérsias. Na minha cabeça, a data de nascimento era 10 de outubro. Porém, ao começar a pesquisa para este post, descubro que o primeiro registro aqui data de 5 de outubro. Ou seja, errei nos cálculos e, claro, perdi o dia do aniversário, que nem um post (sem querer) teve. Lamentável. Mesmo assim, decido continuar a construção de um texto explicativo - sem dados de audiência, que era a proposta inicial - e ainda atraso em cinco dias a desejada data de publicação.

Tudo bem. O pequeno Despojo só faz um ano e, tenho certeza, terá mais alguns carnavais pela frente. Então, com um sorisso meio amarelo por conta das falhas, desejo a ele um... feliz aniversário! E um próspero ano novo.

Quase 365 dias e/ou 100 posts

Quando criei o Despojo, ainda com o absurdo nome de Tira uma foto, não tinha noção do que se transformaria isso. É verdade que o blog não é aqueeeeele sucesso, mas satisfaz a mim e, imagino eu, aos cinco ou seis que passam por aqui de vez em quando.

Porém, independentemente da audiência que tem, o blog vem cumprindo bem a única missão que recebeu há um ano atrás: servir como "casa" para uns textinhos de ficção e algumas confidências subliminares, esta última camuflada na subjetividade.

Confesso, porém, que não sei o que fazer nas comemorações deste primeiro aniversário do Despojo. Uma coletânea de textos com maior números de comentários? Não. Uma coletânea dos melhores textos segundo eu mesmo? Não também.

Convidar pessoas - as que sempre comentam, obviamente - a deixar suas impressões sobre o blog, bem ao estilo "críticas-curtas-de-cinema-que-ilustram-cartazes-de-filmes"? Não, apesar de não ser uma idéia totalmente descartável.

No final, entretanto, decidi pela opção mais óbvia, corriqueira, sem graça e banal: a de expor aos visitantes, de forma mais maleável que tabelas e planilhas, os dados deste espaço, desde os itens mais relevantes até os mais curiosos.

A intenção ao expor as "entranhas" do blog é, ao final do primeiro ano de Despojo, brindar a data com os próprios freqüentadores. Mostrar tudo que geralmente não importa a ninguém além do próprio dono, mas que sempre desperta a curiosidade.

Enfim. Não há mais o que explicar. No dia 10 de outubro, data do nascimento do Despojo, irá ao ar um dossiê sobre o que de melhor (e pior) aconteceu nos últimos 365 dias e quase 100 posts publicados no http://despojo.blogspot.com Agora é só esperar...

De cara com o cara

Eu voltei, agora pra ficar
Porque aqui, aqui é o meu lugar
O Portão - Roberto Carlos

O corredor era longínquo, mal iluminado e velho. Eu não sei como cheguei ali, mas a questão não era propriamente essa. O fato é que eu estava naquele lugar estranho e fui informado por uma voz não identificada que deveria comparecer à uma porta cujo número eu já não lembrava. Andava praticamente sem rumo, embora a única direção possível fosse ir reto. Minutos depois de caminhar, encontrei o lugar. Abri a porta com cuidado, receoso com o que poderia acontecer. Lá dentro, nada. Isso mesmo: nada. Apenas uma sala ampla, iluminada com lâmpadas fluorescentes e com as paredes em uma cor meio bege. Demorei um pouco para reparar que, bem no fundo do salão, havia uma mesa.

Sob ela, só um porta-canetas do Corinthians parcialmente vazio, um calhamaço de papel e um cinzeiro recém-usado. Enquanto viajava naquela visão que mais parecia uma agência de publicidade de tão clara e limpa, acabei sendo surpreendido por ele. Ele? Um cara alto, um tanto forte e com a barba mal feita. Depois de me olhar desconfiado, foi para trás da mesa e sentou.

- Então você é o Julio? - perguntou.
- So...sou - gaguejei.
- Hummm, Juuuuulio - confirmou ele, tomando o calhamaço na mão e procurando algo.
- Isso mesmo.
- Julio, né?
- É, Julio

Depois desse estúpido contato inicial, o grandalhão sentou na mesa, puxou o maço de cigarro e fitou-me por longos minutos.

- O que você fez, hein mano?
- Eu? Nada. Só me distraí, tropecei num extintor que insistem em esconder nos cantos e acabei batendo com a cabeça na parede.
- Uh - encolheu-se, quase tendo calafrios com a descrição da tragédia - Olha, não sei bem se você tem motivo para estar aqui, sabe?
- Ah é?
- Você nunca fez nada tão grave, nunca produziu nada muito relevante, nunca cometeu crimes, não teve filhos, não escreveu um livro e tampouco plantou uma árvore.
- Ok, ok. Só não precisa jogar na cara, né?
- Tá, pode deixar.
- Mas, meu caro, por que eu estou aqui nesse lugar que, à propósito, eu nem sei o que é.
- Ok, vou te explicar. Você morreu, tá ligado? Sabe morte, manja?
- Oh!
- Mas não se assuste, viu! Aqui é a última parada antes do céu ou do inferno.
- Tipo juízo final, é?
- É. Tinha esquecido que na Terra ainda chamam esse lugar assim. Eu costumo chamar carinhosamente de "Ou vai ou racha".
- Ha ha ha.
- Maaaaas, como você ainda tá extendido no chão, eu posso te mandar de volta.
- Pode? Manda! Manda!
- Hum, vamos ver.

E o senhor desconhecido fez uma cara estranha, meio blasé até. Depois do charminho, disse que me mandaria de volta com uma única condição.

- Qual? Qual?
- Que você pare de frescura, tá ligado?, e que volte com aquela merda que você costuma chamar de blog. Desovo, não é?
- Despojo.
- Isso, Desgosto.
- ...
- Agora volta, vai - disse, me dando um último tapa nas costas, com força - Que eu preciso ver o último capítulo da novela das oito...

E neste momento, como num filme da Disney, uns pivetes vestidos com asas provavelmente compradas em uma famosa rua de comércio ilegal de São Paulo me pegaram pelo braço e, com uma força descomunal para pivetes, me jogaram céu abaixo. Agora, cá estou. De volta, apesar do galo na testa.

Por Julio Simões, em 4 de outubro de 2007.

Recesso

Há algum tempo, tenho pensado nisso e... pronto!

Estamos fechado para balanço. E por tempo indeterminado.

Grato,
Julio

Teorema

Eu sempre quis escrever um teorema sobre alguma coisa. Algo importante, sabe? Algo universal, que todos que lessem e se identificassem de primeira. Pensei nisso por anos, algumas idéias passaram e nenhuma teve tanta consistência como esta. Enfim, acabou que decidi escrever sobre o amor.

No começo a gente acha que é fácil, que o sentimento é sempre o mesmo, mas que só mudam os personagens. Depois passa a ver que não é tão simples, que tem coisas a mais envolvidas, que existe mais complexidade do que se pode imaginar.

Depois ainda esbarra em outras formas de amor, tão boas ou até melhores. Indispensáveis, eu diria. E passa a duvidar do conceito universal do amor. É aí que começam os problemas. Não se sabe mais aonde termina uma coisa e começa a outra. E a necessidade cada vez maior de viver tudo aquilo passa a ser insustentavel.

Eu sempre quis escrever um teorema sobre alguma coisa. Escolhi a porra do amor. Queria que fosse algo poético, lindo e chocante. Queria que fosse digno de prêmio Nobel. Pois não deu, infelizmente. Escrevi meias palavras sem qualquer conteúdo. Talvez eu ainda não saiba nada sobre isso.

Por Julio Simões, em 28 de agosto de 2007.

As horas, o tempo

Sempre quando retorno a Promissão, o que não acontece tão frequentemente assim, consigo enxergar uma nova cidade. Seja pela pintura renovada de alguns locais ou até pelo aparecimento de algumas construções, que parecem surgir por brotamento.

Da última vez que fui à terrinha, porém, uma coisa fora do lugar me chamou a atenção. Me horrorizou, até. Afinal, caro leitor, como é possível alguém trocar um relógio histórico por um marcador de horas digital?!?

Como pode um patrimônio desses, mesmo estando "fora de serviço" desde que eu existo, ser trocado por um retângulo de dígitos verdes, impossíveis de enxergar mesmo estando embaixo dele?

Pois foi isso que aconteceu. Era um relógio de, creio eu, aproximadamente 50 anos, colocado no alto de uma das principais praças da cidade, como homenagem ao início da imigração japonesa no Brasil.

O problema, além do político, é que fatos como esse me colocam frente à lembranças de que o tempo passa, de que me distancio das coisas e que tudo muda, desde a fisionomia da cidade até a minha. A mudança é inevitável, eu sei.

E em algum momento aquele relógio ia sair dali, fato que ninguém pode evitar. Só me pergunto para onde vão todas as velharias, desde as antigas lembranças às velhas manias? E para onde foi o velho relógio histórico, hein?

Por Julio Simões, em 17 de agosto de 2007.

Conflito de interesses

"Eu acho que a gente podia ser assim". Foi o que ele disse quando já estava com as mãos em sua cintura, fitando-a e com uma vontade enorme de beijá-la. Há algum tempo vinham se conhecendo, e quem visse a relação dos dois de fora, não daria mais de um mês para que eles consumassem o fato.

Ela então pensou em tudo, o que eles haviam vivido até ali. Apesar do pouco tempo que se conheciam, já se consideravam amigos! E aí veio a frase que ela mais temia. "Eu acho que a gente podia ser assim". E as mãos na cintura dela correram pelas costas e os corpos se esquentaram até os rostos se tocarem e as bocas...

Aí a coisa fluiu. O sofá, que passava por ali, serviu confortavelmente como a primeira noite dos dois. Noite não, aliás, porque era de tarde e os dois apenas para recuperar um DVD dela. E tudo acabara naquilo. No sofá, sob olhares da mesinha de centro, da TV e do tapete.

O toque dele era bom e a estimulava. A calça jeans - que a deixava sinuosamente deliciosa - fora facilmente retirada enquanto as mãos dele percorriam o corpo dela como um escultor com sua argila. Aos beijos e lambidas, seguiram como num balé de corpos desesperados por se completarem.

Depois, ainda ofegantes pela lancinante tarde amorosa, se olharam por longos segundos, como se prevendo o fim. Num estalo, recolheram as roupas do chão sem trocar qualquer palavra, não se despediram e não se viram mais. Estava tudo acabado entre os dois.

Por Julio Simões, em 1º de agosto de 2007.

Leve desespero

Eu sinto um frio que não sei explicar. Talvez seja a janela que não está aberta. Talvez seja o ar condicionado que não funciona desde 1995. Não sei. Vem um vento frio, daqueles que atingem a Argentina de tempos em tempos, especialmente no inverno.

Um vento que parece focado em mim. Apenas eu sinto frio! Me encolho na poltrona, olhando a televisão desligada. Em segundos, me pego num labirinto, de paredes altas e forradas de plantas - trepadeiras, acho. É tudo muito grande, vazio, dramaticamente silencioso.

Eu corro nu, para lugar nenhum. Não acho a saída, mas encontro as extremidades. São quatro, todas fechadas, sem solução. Depois de horas, a imagem turva e eu caio. Acordo sete dias depois, ainda na poltrona. A campainha toca. Deve ser o jornal, penso.

Nós

Imagine uma rodovia. Larga, longínqua e cheia de bifurcações. Nela, os carros vão fluindo, vindo dos diversos lados e se ligando ao caminho para formar uma nova reunião de carros. A todo momento, uns saem e se distanciam, outros entram e se aproximam. Apesar disso tudo, a rodovia sempre permanece lá, única e sozinha, apesar de diferente.

Imagine agora os vasos sangüineos - ou veias, se quiser. Aqueles que levam o sangue de uma parte a outra do corpo. Observe o caminho do ponto de vista do sangue, aliás. Este se desloca de um lado para o outro, se junta ao oxigênio e com isso se transforma, adotando e dispensando componentes. Apesar de cíclica, a mudança nunca é igual.

As metáforas descritas acima, eu sei, não servem para representar nem de longe as relações humanas e a forma com que elas acontecem na realidade, principalmente em tempos modernos. E é exatamente nesse meu erro que acerta o brilhante "Medos privados em lugares públicos", filme francês dirigido por Alain Resnais. Antes de mais nada, devo dizer que provavelmente presenciei um novo clássico - ou quase, vai - sem nem mesmo saber disso.

O filme, antes de tudo, é simples. Corriqueiro e cotidiano demais, até. São sete vidas que quase não se cruzam, mas tem quase tudo em comum. Desde a necessidade de se ligar a outra pessoa (ou figura, seja essa um lugar ou uma religião, por exemplo) até os problemas pessoais pouco combatidos e geralmente acobertados por um falso sorriso ou diálogo, ambos usados pelos personagens para manter a normalidade.

Se no começo o filme parece banal demais, é na segunda parte que ele se torna realmente um quase-clássico. As pessoas tomam consciência de suas dificuldades e buscam alterá-la, aconteça o que acontecer. Apesar do medo de cada um com relação às mudanças nas rotinas e na vida em si, todos procuram melhorar o que consideram falhas.

O ponto principal, no entanto, fica sobre as metáforas e filosofias bem abordadas nos diálogos. Neve, bíblia, cores. Eis alguns dos elementos usados para reforçar a idéia principal: as pessoas se relacionam, mas tem medos e dificuldades (principalmente em admiti-las) de se sentirem sozinhas e desprotegidas. Enfim, eu não preciso falar mais nada. É o mais puro retrato da intimidade humana que eu já vi.

Desalinho

Tenho uma estante em casa. Na verdade, é um canto no corredor da casa que adotei para guardar quase todas as minhas coisas de mão. Gosto de chamar de estante só para parecer que tenho um lugar específico para guardar os papéis, livros e todo o tipo de tranqueira que vai se acumulando com o passar do tempo por ali.

De um tempo para cá, a pilha de papéis da faculdade e apostilas, localizada na esquerda, já não tem para onde cair. Movê-la para recolocá-la no lugar iria requerer um guindaste, no mínimo. Sem contar que isso acarretaria em danos para os inúmeros blocos que eu hospedo ali, além da máquina fotográfica digital e de um Quixote, que se desprendeu da pilha de livros, localizada na direita, e se juntou ao emaranhado.

Confesso que nunca dei muita atenção para a estante. Quase nunca fiz planos para reordená-la. Quando fiz, consegui dar um jeito de adiar. Há um tempo atrás, a função de "maquiar" a estante e fazê-la parecer uma estante era da empregada. Hoje, até ela desistiu.

E tem sido assim nos últimos tempos. As coisas estão ali, acontecem, vão se acumulando e se reordenando. A bagunça ganha vida e apenas é observada pelo dono, que se conforta em pensar que ainda vai arrumar tudo aquilo quando tiver tempo e oportunidade e motivação e vontade. É tudo sempre igual. Toda santa vez que passo ali, tenho a sensação que tem algo em desalinho.

Pra não dizer que não falei das flores...

... ela fala por mim. Ela, no caso, é Carol Canossa, também estagiária da GE.Net e dona do cultuadíssimo (ou não) blog Nossa, Canossa! que, neste mês, selecionou brilhantemente as pataquadas dos Jogos Pan-americanos do Rio de Janeiro, que esta hora já foi tarde. E se não comentei nada sobre isso neste modesto blog, foi por falta de inspiração, preguiça, falta de tempo ou de recurso público - tudo ao mesmo tempo, talvez. Portanto, faço minhas as palavras dela. Vai por mim, meu caro: vale a visita!

O sambista e a morena

O sol já irradiava no alto do morro quando o povo começou a sambar. Era sábado, único dia de alegria para aqueles que tinham outros seis de problemas. A morena deixou a casa simples determinada a reencontrar sua paixão, que já estava no meio da roda de batuque. Era quase um ritual, aliás: o grupo subia na laje com os instrumentos e montava o barulho.

E assim era dado o sinal para os espetinhos, a cerveja e a alegria chegarem ao topo do morro carioca. Não tinha que comprar ingresso, eram todos convidados. A única regra era sorrir. "Alvorada lá no morro, que beleza. Ninguém chora, não há tristeza, ninguém sente o dissabor. O sol colorindo, é tão lindo, é tão lindo. E a natureza sorrindo, tingindo, tingindo".

Antes que a morena pudesse encontrá-lo, ele apareceu. "Ah, corra e olhe o céu; que o sol vai trazer bom dia". E a cena seguiu com um beijo longo entre os dois. O sambista, porém, queria conversar. Pegou-a pela mão, passou pelo isopor recheado, ao lado da churrasqueira de tijolos e chegou a escada, tão pequena que só era permitido mão única. Enquanto um sobe, o outro não desce.

Já no meio da ruela, o sambista tomou a outra mão da morena e a olhou nos olhos. Eram castanhos, reluzentes, cheios de vida. Não é a toa que dizem que os olhos são a janela da alma, afinal ela era assim mesmo. Além de linda e desejada, sabia ser uma boa companheira. Pelo menos naquele último ano em que estiveram juntos. Ele, um pouco impaciente já, decidiu ir logo ao assunto.

- "Porque tudo no mundo acontece. E acontece que eu já não sei mais amar".
- Como assim?

E ele não teve coragem de continuar. Ela, mesmo assustada e abatida, tomou a frente.

- Não gosta mais de mim? Você disse que nunca teve outra...
- "Tive sim, mas comparar com seu amor seria o fim. Por isso, meu amor, vou me calar. Pois não pretendo, amor, te magoar"

A conversa não teve fim. A morena virou as costas e, com as mãos no rosto, subiu o morro sem olhar para trás. O sambista ficou ali, estático, sem saber o que fazer. No fundo, um pouco longe até, só se ouvia um samba vindo do alto do morro, onde todos dançavam despreocupados. "A sorrir, eu pretendo levar a vida; pois chorando eu vi a mocidade perdida".

Por Julio Simões, em 21 de julho de 2007.
Pequena homenagem a um sambista que conheci há pouco tempo. Magro, pequeno e com enormes óculos escuros, canta alegria e tristeza com a mesma maestria.

Pequenas teorias cotidianas II: a gravidade e os celulares

Não é difícil ver aquela cena terrível: o desligado esbarra ou deixa cair seu celular de ultimíssima geração no chão de paralelepípedo, na piscina ou de uma altura equivalente a um prédio de quinze andares. Tirando a segunda opção, que envolve água, garanto que é possível salvar seu celular dessas situações sempre constrangedoras. Graças a uma extensa pesquisa, conclui mais uma pequena teoria cotidiana digna de estar em qualquer caderno científico.

O princípio básico da tese, meu caro, é ter absoluto desprezo pelo aparelhinho no momento seguinte a queda, mesmo que ele tenha custado toda o seu fraco salário de estagiário (acumulado durante o ano todo, diga-se de passagem). Explico: celulares tem personalidade, tem coração. E o momento de descuido do dono é quando eles aproveitam para saber se são amados ou não. Assim, quando um celular cai no chão, a reação dele é se fazer de frágil, desprotegido. Um ator, praticamente.

Só que se você dá a atenção que ele quer - ou seja, morde a isca do safado - ele se desmancha todo ali mesmo, no chão. Literalmente até, eu diria. Com isso, os astutos pesquisadores concluiram que, se você não der a mínima para o aparelho quando este cair no chão, ele se manterá intacto. Decepcionado com sua reação fria, mas ainda intacto. No máximo, vai ganhar uns arranhõezinhos, mas nada que o leve à assistência técnica, lugar tão temido por eles quanto o veterinário para os cães.

Desde que suspeitei desta pequena tese cotidiana, agora provada por A + B pelos tecno-cientistas, nunca mais deixei o meu Siemens fazer esse "joguinho" barato. Talvez por isso ele ainda continue ativo após algumas quedinhas. A bateria dele está um pouco fora do lugar, é verdade, mas ele ainda faz ligações e manda mensagens. É de se admirar, porém, que só agora um estudo dessa magnitude tenha vindo a público. É tão importante quanto saber quais as conseqüências do desmatamento da Amazônia. Fundamental, diria.

Caba da peste

- Cê já se apaixonou, Julio? - pergunta o forte sotaque nordestino, enquanto terminava de limpar a coleção de garrafas.
- Já - respondo surpreendido, por trás do jornal aberto.
- E foi respondi... respondi...
- Correspondido?
- É. Eu num sei falar essa coisa aí.

Conversas como essa não são freqüentes de acontecer em casa, mas não sei por quê eu gosto muito delas. Não pelo conteúdo, muitas vezes constrangedor, mas pela interlocutora: Lúcia, a diarista que há quatro anos salva a república toda terça e quinta-feira. Baixinha e corajosa, deixou o interior de Pernambuco muito pequena para tentar a sorte na cidade grande e, desde então, trabalha cada vez mais. Ao todo, são incontáveis "patroas" divididas entre os seis dias da semana - aos domingos "só quando alguém pede para ajudar", segundo ela mesma explica.

Lúcia é simples, por isso verdadeira. Toda terça e quinta, religiosamente, pede para achar para ela os números da Mega-Sena no jornal. Ao ver que não foi contemplada, comenta o desempenho um pouco decepcionada, mas já com as esperanças já renovadas para o próximo concurso. "Ih, nem perto. Não foi hoje que eu fiquei rica", responde sorrindo, expressão que mantém sempre exposta no rosto. Apesar do sonho, Lúcia sabe que é complicado acertar os numerozinhos e por isso segue no trabalho que, mesmo árduo, a satisfaz.

- E então, cê foi respondi... respondi...
- Correspondido?
- Isso. Respondido.
- Sim e não.
- Eu não vou nunca se apaixonar, não. Só dá problema.
- Que isso, Lúcia!
- É. Teve uma vez que um coroné - é assim que se diz, é?
- Coronel, Lúcia. Coronel.
- Isso. Teve um que se apaixonou por mim. Eu era novinha ainda, tinha uns 16 anos, era bonitinha. Mas eu não queria não, falei para ele que não gostava dele e não queria só o dinheiro dele.
- Ah, é?
- É. Ele até me agradeceu porque eu falei a verdade. Mas tudo bem. Naquele tempo eu até chamava atenção, hoje eu tô uma tragédia.

Lúcia é assim mesmo, divertida. Não perde uma chance de tirar sarro de qualquer coisa e ainda repete alguns rituais, como pedir para escrever a lista do supermercado para ela. É notável sua dificuldade com as palavras, já que teve pouco tempo para o estudo. Anos atrás, até insistiu na alfabetização e treinava nas listas de mercado, mas creio que tenha abandonado as aulas. As palavras mais complexas, então, se transformam na boca dela. Orégano, por exemplo, se simplifica em oréga.

Às vezes, Lúcia também relembra do tempo de criança, em que já trabalhava forte no interior de Pernambuco. Com um pouco de saudade sim, mas sem nenhuma vontade de voltar. Pelo menos não agora. "É muito pobre lá, filho", explica. Ela é assim mesmo, sensível e alegre. E talvez seja por isso que as conversas com ela sejam tão interessantes. Seja sobre as notícias no jornal, o passado ou o futuro. Minha vontade, confesso, era fazer um filme sobre ela. Mais precisamente sobre o contato dela com coisas que nunca teve, como o cinema. Mas isso é uma outra história, muito menos interessante que a dela.

Traços coloridos

Logo na entrada, o colorido toma conta do visual e o efeito é sempre o mesmo: deslumbramento. Afinal, é impossível não sorrir diante do fantástico mundo das animações. Até mesmo aqueles que não são fanáticos, como eu, se deixaram levar pela magia do maior festival de animação latino-americano, o Anima Mundi, que teve sua versão paulistana entre os dias 12 e 15 deste mês, no Memorial da América Latina, na Barra Funda.

Senti a sensação de desbravar uma região desconhecida já na quinta-feira, quando acompanhei a primeira sessão do evento, ao lado da érretevê Milly. Logo no começo foi possível perceber a importância dos filmes - curta-metragens, em sua maioria - para muitos ali, já que a abertura aconteceu na hora do almoço de um dia de semana e mesmo assim havia bastante gente interessada em conferir os "desenhinhos".

E logo na primeira sessão fui surpreendido pelo nacional "Um final feliz". O curta conta a história de um pássaro chefe de família, que transita pelas regiões arborizadas de São Paulo. Há violência e sexo, como manda o manual dos filmes brasileiros. Além desse, vale destacar também o norte-americano "Journey to the Disney Vault" (algo como "Jornada ao cofre da Disney"), que manteve a linha subversiva ao revelar o lado obscuro do mais famoso estúdio de animação do mundo.

A surpresa foi tão positiva que voltei no sábado. E para uma verdadeira maratona. Às 13 horas, ainda com pouco movimento - mas muito maior que na quinta - fomos conferir a sessão Curtas 10, onde novamente um brasileiro abriu a seqüência e me chamou a atenção. "Vida Maria" conta a história de vida de uma nordestina que, forçada a interromper seus estudos para trabalhar, vê a vida se repetir num ciclo sem fim.

O filme posterior a esse, porém, que mais me conquistou. "The Danish Poet" (algo como "O Poeta Dinamarquês") já havia convencido a Academia, que acabou premiando-o com o Oscar de Melhor Animação na cerimônia deste ano. E realmente não decepciona. Retrata com sensibilidade, seja nos traços como no roteiro, a história de Kaspar, um poeta dinamarquês em crise de inspiração que encontra o amor numa viagem de férias, mas é impedido de realizá-lo pelo destino. Apesar de tantos curtas vistos (creio que mais de 40!), aponto-o como o melhor de todos.

Mas quando eu já achava ter visto tudo, veio a sessão infantil às 15 horas. Nada melhor que conferir no olhar e nas risadas da criançada o significado dos desenhos animados. Logo na fila era possível ver uma inversão de "valores": eram as crianças que levavam os pais, não o contrário. E até mesmo eles se rendiam à comédia do britânico "Roxo e Marrom", de longe o mais engraçado que vi. Vale destacar também a saga do espanhol "Capelito Pesca-Poco", curta que mostra as tentativas de um cogumelinho para pescar com apetrechos tecnológicos.

Só que ainda tinha outras boas coisas a conferir em outros horários. Na seqüência, deixamos a criançada de lado e voltamos aos desenhos de, digamos, temática adulta. De histórias simples, passamos a temas de loucura (como no português "Jantar em Lisboa"), sexo (no ítalo-leto-sueco-americano "Teat Beat of Sex") e até sobre celebridade instantânea (no francês "Making Of").

Meu destaque para a sessão das 16 horas, porém, fica por conta do finlandês "Tango Finlandia", em que dois brutamontes sem nada melhor para fazer resolvem lutar em ritmo de tango num bar; e do brasileiro "Limbo", sobre a saga de um ateu após a morte. Os dois, além de bem feitos, ainda souberam tratar de temas simples e corriqueiros com humor (negro, até) único.

Ainda assim, apesar do cansaço, havia tempo para conferir o elogiadíssimo "No Time for Nuts" às 19 horas. Para quem viu "A Era do Gelo", o esquilo Scrat já fazia rir só pela expressão. No curta, que teve a participação do brasileiro Carlos Saldanha na produção, o animalzinho tenta enterrar sua noz e encontra um aparelho que o transporta através do tempo. Além desse "blockbuster", ainda vale destacar o francês "Apnee" e o alemão "Georg Wächst", nos quais a técnica utilizada impressiona.

Enfim, nunca esperava me divertir tanto com desenhos, ainda mais desconhecidos. Se você não foi, perdeu. É bem provável que você responda que não soube do festival, afinal a divulgação ainda é restrita. Mesmo assim, vale dizer: tem mais no ano que vem. Junte sua curiosidade, um pouco de dinheiro (a meia entrada, acredite, custou R$ 3!) e vá. Garanto que valerá a pena.

Curtas e grossas:

- O outro lado - Eu sei que fui só elogios nas linhas que seguiram acima. Pois então vale fazer uma pequena lista negra do AnimaMundi. Aqueles que, mesmo tendo no máximo 15 minutos, me fizeram querer deixar da sala ou me deram sono equivalente a quando assisto um jogo do Brasil. São eles: o norte-americano "Drawing Lessons", o croata "Silencijum", o tcheco (e impronunciável) "Nestastné Nardzeniny Péti Fotky", o inglês "Forest Murmurs", o estoniano "Une Instituut" e o australiano "Dust Echoes 2: Whirlpool", além do alemão "Lua Lunática" e do brasileiro "Palavra Animada", ambos infantis.

- Para não dizer que não falei das flores - Tava tudo muito organizado, bonito e feliz. Só os preços dos produtos vendidos no local que não. Não vou lembrar todos os preços de cor, mas dá para dizer que todos eram muito superiores a uma lanchonete "clandestina" - pertence ao Memorial, não ao evento - que ficava a poucos passos dali.

O sabor de viver

Ando meio em falta por aqui, mas ainda deixo algumas marcas. A desta vez é uma indicação. Uma história e tanto, seja para quem a conhece como não. Envolve sonho com realidade e, acredite, são fatos reais. Fico feliz por ela. Fique você também:

Blog da Lui em My Jack Pages [prólogo - cap.1 - cap.2 - cap.3 - posfácio].

A vida útil das letras

"O livro é uma extensão da memória e da imaginação." (Jorge Luis Borges)

Tem um livro na minha prateleira que não consegue sair de lá. É novo, capa bacana. O conteúdo, bem, não sei. Nunca consegui ler. De vez em quando eu o pego, mas não adianta. Ele até me acompanha nos cafés solitários, na espera pelo cinema, nos passeios a esmo pela rua. E em todos os casos ele volta da mesma forma: intacto.

O problema não ele, coitado, seu eu. Há coisa nele que me distrai mais do que seu conteúdo. É uma pena desperdiçá-lo assim, eu sei. Alguns diriam para eu não ter pressa, que tenho toda a vida para lê-lo. Confesso que já pensei em esquecê-lo, em levá-lo a um sebo para que tenha vida útil, mas não. Um dia, vou tentar. Só temo não conseguir nunca.

Películas verde-amarelas II: Ver a vida ou viver?

Nem me lembro bem quando foi a primeira vez que topei com alguma referência à Não por acaso, filme paulistaníssimo de Philippe Barcinski, estrelado por Rodrigo Santoro e Leonardo Medeiros. Na película, os renomados atores são, respectivamente, Pedro e Ênio, dois obcecados em controlar qualquer situação. Seja as variações de jogo de bilhar, atividade de Pedro, ou o trânsito da metrópole, função de Ênio. A história muda quando eles tem que enfrentar situações de perda que, inclusive, se cruzam na trama.

Realmente não sei como soube do filme pela primeira vez. Provavelmente li alguma reportagem sobre o assunto ou vi o cartaz em algum cinema por aí. O que eu tenho é certeza é que o filme me conquistou antes mesmo da exibição do trailer. Primeiro por envolver duas coisas que eu tenho gostado cada vez mais desde que cheguei a São Paulo, há três anos e meio: a sinuca e o Elevado Costa e Silva, também ridiculamente conhecido como Minhocão.

O primeiro eu experimentei algumas vezes com amigos e confesso que é um dos jogos mais divertidos, já que no caso de meros amadores envolve muito mais sorte do que técnica. O segundo eu me apaixonei quando, ao voltar de uma pauta, tive o prazer cruzar o Elevado no final da tarde de um dia ensolarado. A sensação de passar dentro da casa das pessoas - que acaba ficando no nível da rampa, bem pertinho - e ainda enxergar o bater do sol naquela montanha de prédios é única.

Só isso já era suficiente para eu ir ao cinema. Sem contar que me interessei ainda mais quando soube do que tratava o roteiro. Enfim, me identifiquei totalmente com a proposta. Eis então que, quase um mês depois da estréia nos cinemas, fui conferir a trama. Agora sim posso dizer: o filme é belíssimo. Desde as cenas de São Paulo até a interpretação de Santoro, Medeiros e das belíssimas Branca Messina, Graziela Moretto e Letícia Sabatella, além da jovem Rita Batata.

É um filme que eu queria fazer. Porque, de um tempo para cá, eu avalio assim. Divido entre os filmes que eu gostaria de fazer e os que eu dispensaria. Esse é sensível e prova o desenvolvimento crescente do cinema nacional. Ok, eu sou um entusiasta da produção nacional, mas esse vale a sua ida ao cinema. Nem que seja para sair de lá e pensar um pouquinho no valor real que você dá às coisas que acontecem na sua vida. Vá para saber se vale a pena ficar parado ou se é necessário se mexer para dar sentido à vida.

Curtas e grossas:

Próximos capítulos -
Eu sei que eu deveria me tocar e ir assistir Piratas do Caribe, Homem-Aranha ou Treze Homens e Um Novo Segredo, mas a questão é que eles não me interessam tanto quanto as novas produções nacionais. Tanto é que eu já estou de olho em outro: Saneamento Básico, o Filme. Mais uma criação de Jorge Furtado, a história de uma comunidade que quer construir uma fossa, mas descobre que o município só tem verba para a realização de um filme, tem estréia prevista para o dia 20 deste mês. Agora é só esperar...

O cãozinho tem telefone? -
Prosseguindo minha saga por filmes brasileiros, dediquei uma de minhas folgas para ver a pré-pós-estréia de Cão Sem Dono (sim, a première aconteceu dois dias depois de entrar no circuito). Mesmo com o desconforto da sala casperiana, deu para ver que o filme tem valor. Apesar do começo confuso, a história se desenvolve e começa a ganhar forma. Em meia linha, pode-se dizer que a história se constrói em cima do envolvimento entre dois jovens: a ambiciosa Marcela e o conformado Ciro.

E o destaque do filme é mesmo a relação humana, bastante discutida nas ações do filme. O melhor, no entanto, veio depois: o debate com os diretores Beto Brant e Renato Ciasca e a presença extraordinária de Tainá Müller, que vive Marcela na película. É curioso saber detalhes da produção, da adaptação do roteiro (baseado no livro de Daniel Galera, "O dia em que o cão morreu") e ainda ouvir opiniões sobre a mensagem passada no filme. Melhor que isso? Só ver a mais nova musa do cinema nacional ao vivo, sem cortes.

O retrato e a parede

O retrato ainda permanece sobre a mobília. Sempre quando acendo a luz, logo ao abrir a porta, o vejo do outro lado, sob a mesa. É uma foto linda: seus cabelos negros e cacheados soltos, óculos de cineasta, expressão descontraída. Deslumbrante. Só que a imagem que me fica na memória é outra.

Aconteceu logo nos primeiros dias, no auge da relação. Não me lembro do diálogo - e isso não deve realmente importar. Só sei que ela ria com os lábios deliciosamente provocantes e tinha no jeito de olhar, contraindo as pálpebras, um ar encantador. Lembro-me que ria de alguma coisa em mim, pena não saber do quê.

Quando então me olhou nos olhos e abriu os lábios para uma nova gargalhada, a peguei pelo braço. Tentou se livrar colocando as mãos por trás das costas. Não deu. Envolvi assim uma mão pela cintura e a outra por entre os cabelos, desarrumando-os. Em segundos, estávamos com os corpos colados junto a parede mais próxima.

O movimento das bocas, das mãos e a sincronia dos corpos se aceleravam cada vez mais. Não havia tempo para respiração. Pressionava-a contra a parede da sala com ritmo único. Aquela mesma parede que, hoje, me trouxe tais lembranças. Quanto mais a comprimia em meus braços, mais ela me puxava para dentro.

Não demorou para as roupas virarem acessórios dispensáveis ali. No intervalo quase inexistente entre uma peça e outra, ainda recebi um sorriso de prazer indescritível por qualquer linguagem. Talvez o maior gesto de amor já sentido. E nem mesmo o fato de estarmos em pé atrapalhou a melhor noite de nós dois.

Com ela entre a parede e mim, descobrimos o que é ser um só. Entre pernas, pêlos, mãos, sorrisos, olhares, sons e desesperos, fomos felizes. Hoje, dela, só ficou um retrato sobre a mobília e a parede. Intactos na memória.

Por Julio Simões, em 8 de junho de 2007.

Películas verde-amarelas: Sem legendas

Dia desses, num café qualquer da região da avenida Paulista...

- Acho que vou no cinema hoje. É minha folga. Tô pensando em dois filmes - lancei na mesa.
- Ah, é? Aposto que são dois brasileiros - respondeu, em tom desafiador.
- Claro que não. Só um, acho.
- Viu? Pelo menos um. Quais são?
- Um é Proibido Proibir e o outro... não! os dois são brasileiros!
- Hahaha. Sabia.


Foi a partir desse diálogo que percebi que as minhas últimas idas ao cinema tinham sido para conferir a produção cinematográfica nacional. Nada de patriotismo, 'ame-o ou deixe-o' ou anti-hollywoodianismo. Apenas gosto das propostas, histórias e atuações brasileiras que, cá entre nós, melhoraram absurdamente desde O Quatrilho, dirigido por Fábio Barreto, lançado no longínquo ano de 1994 e indicado ao Oscar de Filme Estrangeiro no ano seguinte.

Enfim. Pelo que lembro, o primeiro dessa série nacional recente que vi foi Baixio das Bestas, de Cláudio Assis. É forte, rude e faz questão de retratar aspectos do sertão nordestino que nenhum metropolitano imagina. Mesmo assim, sai do filme achando que aquilo tudo - cenas de sexo, violência explícita contra a mulher, sofrimento e humilhação - era só para chocar. Pura e simplesmente para deixar inquieto o espectador. Ainda assim, o filme tem valor. É bem gravado, tem bons atores e, se for essa a intenção, acredito que chega bem perto da realidade.

Depois, se minha memória não falha, fui conferir Cartola. O documentário sobre o sambista carioca da velha guarda da Mangueira ao menos cumpriu o que eu queria: conhecer mais do já falecido compositor. Porque de resto, o filme é monótono e pretensioso demais. Aquele que quer abraçar tudo ao mesmo tempo agora. E isso faz com que Cartola seja retratado em partes pouco aprofundadas, apesar das boa pesquisa de imagens e som feitas pela equipe. Mesmo assim, serviu para conhecê-lo melhor e aumentar a vontade de ir ao Rio de Janeiro.

Como terceira escolha recente de filme, fui a Proibido Proibir. Elogiado por uns, criticados por outros, cheguei ao cinema sem um conceito inicial de 'deve ser bom' ou 'é provável que seja ruim'. E foi melhor, porque consegui encontrar momentos bons e ruins. Destaco como positivo as referências e a representação do que é a política para os jovens deste início de século XXI, mas senti falta de um roteiro mais consistente. Mesmo assim, é melhor que cada um tire suas próprias conclusões. Em tempo: a presença da bela Maria Flor vale a ida a sala mais próxima.

Pois bem. Até agora foram estes, mas estou propenso a ir em outros dois, um deles com muita expectativa. Pode ser que vá assistir Meteoro, que retrata a vida de brasileiros - operários que vão construir uma rodovia, no caso - esquecidos numa região do nordeste durante a época da ditadura. Mas pode ser que veja Não por acaso, não por Rodrigo Santoro, mas pelo Elevado Costa e Silva, pela sinuca e pela temática do filme. Sim, é este que citei no diálogo inicial. E é este que espero com ansiedade desde que vi o cartaz, há algum tempo. Vamos?