O que faz valer a pena

Hoje a gente se fala a cada seis meses, isso sendo bem otimista. Mesmo assim, rapidinho e sem profundidade. Há alguns anos, a gente combinava de se encontrar para conversar. Hoje, só conversamos quando o acaso nos coloca frente à frente.

E ainda assim ela vem com o mesmo sorriso de sempre, abrindo os lábios largos para me saudar com um beijo marcante em uma das bochechas. Em alguns casos, até as mãos ela usa, para segurar delicadamente meu rosto, segundos antes do tal beijo.

Ela, no caso, é meu primeiro amor. É ou foi, sei lá. Embora não tenha sido meu amor, foi meu primeiro. Me lembro de uma oportunidade que tive com ela. Era uma festinha, eu era pequeno e nem sei precisar quantos anos.

Era na casa dela. Se não for sonho meu, alguém me disse que a gente se beijaria naquela noite - diria "ficaria naquela noite", mas não soa poético como deveria ser - e perguntava se eu queria. Lógico que eu queria. Mas, no final, a resposta que passou por entre os lábios foi não.

Eu tinha medo do pai dela. Ou da fama de mau dele. Foi isso que me fez recuar, afinal era aniversário dela, na casa dela. Eu podia ser feliz. Se isso não foi um sonho meu, eu dispensei minha única chance de ser feliz. Nem que fosse uma felicidade instantânea.

Desse meu primeiro amor, aliás, eu me lembro de outro acontecimento. Lembro-me de como descobri - ou descobriram para mim, no caso - que estava apaixonado por ela. Era sala de aula de alguma série do ensino fundamental. Especificamente naquele dia, eu estava impaciente, estranho, sem concentração nenhuma.

Naquela época, tinha uma menina como um dos meus melhores amigos. Lembro-me como se fosse ontem - e não era sonho, juro! - que ela simplesmente não teve pudor em falar que aquilo que eu sentia e não sabia explicar era paixão por ela. Eu não entendia disso. Hoje já sei identificar, embora ainda não entenda disso.

Hoje eu vejo fotos dela. Às vezes, escrevo para ela perguntando sobre a vida. Não fico esperando encontrá-la, mas gosto quando acontece. Ela me faz bem, embora hoje eu saiba que provavelmente não teria dado certo. Mesmo assim, ela foi o meu primeiro amor. E isso só ela pode ser.

Política do “leite-quente-dá-dor-de-dente”

Sempre que vou ao Paraná, mais precisamente à minha querida Castro, volto falando o dialeto típico local. Inevitável. É aquela coisa bem “leite quente dá dor de dente na gente”, sabe? Só que essa frase, apesar de acentuar bem a principal característica sulista (experimente falar em voz alta e fixar bem as letras E), não quer dizer nada.

Sério. Eu nunca vi ninguém para lá da divisa falar essa frase com algum significado. Não serve para pedir nada, nem sequer para reclamar da alta temperatura do líqüido – e que ainda não sei se dá mesmo dor de dente! No máximo, ela é reproduzida por algum forasteiro quando repara o quanto é engraçado ouvir o sotaque do Sul.

Só que, salvo os dialetos típicos do Rio Grande do Sul (o “gauchês”) e algum que desconheço de Santa Catarina, há no Paraná uma série de frases típicas. Coisas que eu só ouço dos meus tios, das primas, da vó. Minha pesquisa não aprofundou-se a ponto de saber se elas são ditas em todas as regiões do estado, mas em Castro eu garanto.

Abaixo, cataloguei algumas expressões que gosto do Paraná e sua tradução. Com vocês, o pequeno dicionário paranaensês:

QUE TAR! (lê-se 'que taaaaar') 1. Expressão utilizada quando se quer mostrar admiração por algo realmente impressionante. Em alguns casos, a frase demonstra um quê de inveja com relação a tal fato dito pelo interlocutor.

LOCO DE BOM (lê-se 'locodêbom') 1. Expressão utilizada (inclusive por mim, mesmo aqui em São Paulo) para demonstrar que alguma coisa é boa demais. 2. Sinônimo de “excelente”.

DIZ QUE... (lê-se 'disque', tal qual o serviço de delivery) 1. Estrutura utilizada única e exclusivamente para fofoca. É dita quando se quer falar algo de terceiros, mas que é preciso sigilo.

CAPAZ! (lê-se 'ca-paaaaaz', estilo Xaropinho, seguido de uma cara de assustado) 1. Expressão utilizada para demonstrar surpresa com algo que foi dito. 2. Sinônimo de “não é possível”.

FRANCAMENTE! (lê-se 'fraaaaancamente') 1. Expressão utilizada para demonstrar indignação com relação a qualquer assunto.

TUDO TEM QUANTIA 1. Frase usada (pela minha vó, pelo menos) para dizer que as coisas tem limites. 2. Sinônimo de “tudo tem limite”.

COMA BEM BONITINHO (lê-se 'coma beeeeeem bonitinho') 1. Frase usada (também pela minha vó) para orientar crianças (os netos, no caso) sobre como se comportar à mesa.

...ANDINHO 1. Uso de diminutivos são bastante comuns e podem ser aplicados a qualquer palavra, à gosto do freguês. 2. Exemplos: andandinhos, passeandinhos, namorandinhos, olhandinhos.

Além dessas, existem outras expressões interessantes típicas do povo paranaense, como “loco véio”, “tongo”, “lazarento”, “mais firme que palanque em banhado”, “vina” e até “ornando”.

Enfim, um paraíso de palavras específicas do Paraná. Agora, com este pequeno dicionário paranaensês, você, caro leitor paulista/paulistano, pode sair por aí falandinho com os loco véio. Porque diz que é loco de bom. Francamente!

Tarde de fantasia

- Estamos de volta com o programa Fantasia, aqui pelo SBTeta. E parece que já temos alguém na linha... alô?
- Pronto - respondeu a voz do outro lado da linha, cambaleante e um pouco ríspida.
- Alôôôuu? - insistiu o apresentador, todo legalzão, de camisa polo justa e short verão pelo joelho.
- Fala, porra!
- Ahhhhh, perdeu cem reais! Você tinha que dizer "Eu assisto o SBTeta!", amigo!
- Ah. Foi mals.
- Mas quem fala aí do outro lado, hein?
- Sou eu, o Turcão.
- Muito bem, obrigado por ligar para o programa, viu?
- Olha, de nada. Na verdade eu só liguei para ver se eu arrumava uma dessas gostosas aí, viu seu... seu...
- Caco.
- Isso, Caco. Só tem gostosa nessa merda de programa, né não?
- Opa, qué isso seu Turcão! Nossas meninas são de famí...
- Ninguém aqui falou que elas não são de família, seu Caco. Só disse que elas são umas puta gostosa. Até essa aí do seu lado, a da banheira.
- Helen. Ela se chama Helen.
- Puta gostosa, né não?
- Ehm... Mas vamos pro jogo das cores, Turcão!
- Sabia que era viado mesmo.
- Oi? Pode repetir mais alto, por favor? Não ouvi...
- Nada, nada. Cores? Vamos.
- Olha, você tem que dizer a ordem correta das cores das bolinhas que estão aqui embaixo na tela. Se acertar, pode ganhar até 10 mil reais na nossa roleta, ok?
- Aham.
- Então vai lá. Qual a seqüência?
- Amarelo....... amarelo....... vermelho....... amarelo....... azul........ amarelo.
- Seu Turcão?
- Oi.
- Não tem azul, seu Turcão.
- Não?
- Não, só amarelo e vermelho. E mesmo assim você acertou apenas a... ahm, nenhuma.
- Puta queu pariu!
- Ô loco, seu Turcão! (risos contrangidos do apresentador, já vermelho tal qual um pimentão)
- Mó roubo esse programa. Gasto uma nota de interurbano, vocês não me deixam falar com nenhuma das gostosa daí e ainda dizem que eu não sei jogar?!? Eu sou campeão de truco aqui do bairro, seu Caco!
- Calma, calma. Mesmo assim, você deixa o programa com... hum, nada. Mas a gente agradece a sua ligação, viu!
- tu... tu... tu...

E enquanto o apresentador tentava manter, com esforço hercúleo, a cara de bom moço, o pobre Tonhão descobriu que era melhor mesmo ligar para a Suellen, a vizinha dada. "Moça da tevê é muito complicada de pegar, né?", disse ele baixinho, como se falasse consigo mesmo.