Foi

Eram dias chuvosos. Não se sabia bem o porquê, afinal era verão. O homem do tempo nunca havia sido tão assistido e ninguém – nem mesmos os metereologistas - sabia explicar o motivo de tal tempo ruim. O céu ficava encoberto o dia todo, do nascer do tímido sol ao poente sem brilho. Da janela, apenas uma moça olhava o céu, com uma caneta BIC na mão, o rosto em lágrimas e sangue nos pulsos. Era Alice.

“Querido. Escrevo estas linhas tortas pra você sem forças. Desde que você saiu sem dizer aonde ia, quando voltava, tudo sem explicação, eu não passo um minuto sem pensar em você. Isso me consome. Quero saber se está bem, o que está acontecendo com você aí, onde quer que esteja. Eu sei que você não faz o mesmo, e que a esta hora deve estar em outro lugar melhor que nossa casinha. Desde que você saiu – e eu não sei precisar os dias, desculpe – eu não sei o que fazer. Imagino cenas e não consigo controla-las. Você chegando, dizendo para esquecer o que passou e se concentrar em nós. Ah, como eu gostava dessa palavra: nós. E você vem com uma flor, que conseguira roubar no jardim da frente. É a flor mais linda do mundo. Eu te olho, você me olha. O mesmo olhar terno que me dera no nosso último beijo. É algo que soa como ‘voltei para ficar’. Você não diz nada, claro, apenas observa a minha reação. Eu me tranqüilizo. Nossos olhos ficam focados um no outro, como se o restante não importasse. Não importa mesmo, você voltou. (pausa – é, você sabe, eu tenho mania de imaginar a vida como no cinema) Agora eu estou aqui, sozinha. Há dias não como nada direito. Há dias eu não durmo na cama – tenho usado um colchãozinho na sala ou dormido no chão mesmo. Há dias eu olho para o nada. Há dias eu tenho a impressão que não respiro. Momentos atrás, meu bem, eu fui à cozinha e pensei em me matar. Juro. Nada faz sentido sem você. Se não tenho você, então, posso parar por aqui mesmo. Quase fiz isso, querido. No final, senti mais uma daquelas fraquezas – tem sido freqüentes, sabia? – e não consegui. O máximo que consegui foi pensar em pegar um papel e escrever pra você. Eu não sei onde você está e esta carta não vai sair de casa, mas eu precisava te dizer como eu estava. Precisava te contar meu dia, como fazíamos todo sempre que você voltava do trabalho. E agora pronto, já foi. Não muda nada, você não me quer e não vai ser uma carta de amor que vai trazer você de volta. Eu só queria ser feliz. E você estava nos meus planos. Beijos (porque eu não consigo mais escrever sem soluçar) “de sua ‘linda menina’”, como você costumava me chamar, Alice”

E com o papel na mão, ainda olhava a janela. Ventava forte e a chuva rotineira parecia próxima mais uma vez. Alice ainda não sabia o que fazer da vida. E do 12° andar de seu prédio, largou o papel e apenas o assistiu voar pela cidade. Ficou segundos, minutos, horas olhando o horizonte, como se visse o papel voar até ele. Depois, fechou delicadamente a janela e voltou a deitar no chão, de tacos de madeira já surrados pelo tempo e já familiares a ela.

Por Julio Simões, em 13 de fevereiro de 2008.

O anti-Oscar

Esqueça Onde os Fracos Não Tem Vez e Desejo e Reparação. O grande vencedor da premiação mais justa do mundo, o Framboesa de Ouro (em inglês, The Golden Raspberry Awards ou Razzies, para os íntimos), foi Eu Sei Quem Me Matou (I Know Who Killed Me), do desconhecido diretor Chris Sivertson, estrelado pela modelo-atriz-cantora-viciada-patricinha Lindsay Lohan.

Nada mais justo. Afinal, um filme em que a protagonista é presa e mutilada por um serial killer (!), mas sobrevive (!!) - embora fique sem uma das mãos (!!!) e uma das pernas (!!!!) - e passa a tentar convencer os personagens secundários de que na verdade é outra pessoa (!!!!!) e que sabe quem tentou matá-la, merecia até mesmo o Oscar.

Assim, como faz dois personagens ruins neste filme, os "especialistas" decidiram dividir o prêmio de pior atriz com ela mesma. Já o de pior ator ficou com o calejado Eddie Murphy pelo quase-clássico Norbit. O filme, que também concorre esta noite ao Oscar de Melhor Maquiagem, ainda rendeu ao "ator" outros dois prêmios: pior ator e atriz coadjuvante.

Premiados à parte, acho que o Framboesa de Ouro deveria ter maior destaque do que já tem. Já falei aqui uma vez sobre o festival mais legal de São Paulo, que ocorre paralelamente à cultuada Mostra Internacional de Cinema, em outubro. É a mesma coisa: assim como o Boteco Bohemia, acho que o Framboesa de Ouro devia ser mais reconhecido.

É palhaçada? É. Mas se quiser uma justificativa cult para enaltecê-lo, pode-se dizer que os premiados servem de exemplo sobre como não fazer filmes. Em todo caso, vou além: imagine como seria legal uma premiação como essa para o cinema nacional! O pior é saber que esse prêmio acabaria nas graças do povo, superando as chatas (porém, necessárias) premiações de Brasília e Gramado.

Blogar é viver

Eu, como todo mundo está cansado de saber, costumo ter altos e baixos com este blog. Mais uma vez, decido voltar a prática bloguística, novamente com prazer. Blogs, aliás, são uma paixão antiga. Já tive alguns antes deste e ainda tentei, sem sucesso, elaborar projetos para outros tantos.

Paralelamente à isso, também adoro ler blogs. Para mim, é como ler um caderno de jornal especificamente sobre algum assunto, geralmente amenidades, cultura pop, música ou literatura. Só que com a vantagem de não ter a obrigatoriedade jornalistica na escrita e podendo falar sobre tudo - ou nada, depende.

Introdução chata à parte, vamos ao filé mignon. Há tempos eu queria fazer isso, e como recentemente venho renovando minhas lista de blogs interessantes, resolvi publicar cinco endereços que conheci nos últimos dias e me chamaram a atenção. Vale a visita.

1. plocplicploc - escrito por uma aspirante a cientista social, o plocplicploc é bastante parecido com o despojo. tem textos de ficção - inspirados na realidade, talvez - e um visual bastante interessante. é praticamente o lado feminino do despojo.

http://www.plocplicploc.blogspot.com/

2. fragmentos de jô - apesar do visual escuro, o fragmentos de jô também investe nos textos de ficção, principalmente os românticos. além disso, também alterna indicações literárias e amenidades cotidianas. vale conferir para descobrir o lado feminino das coisas.

http://fragmentosdejo.blogspot.com/

3. estudandosampa - apesar do nome não fazer qualquer referência, o estudandosampa foca na ilustração. natural, até: o blog é do ilustrador Paulo Stocker. os traços são fortes, as figuras claras e compreensíveis. destaque para as belas visões da cidade.

http://estudandosampa.zip.net/

4. urbanistas/sp - eu gostava de um blog sobre São Paulo chamado sampaist, e agora descobri que ele virou o urbanistas/sp. notícias, eventos e tudo de interessante que pinta na metrópole está lá. mais um serviço de utilidade pública.

http://urbanistas.com.br/sp/

5. 1 milhão de helicópteros - imagine um blog que subverta a crítica cinematográfica... pronto, visualizou o 1 milhão de helicópteros. brilhante idéia esta de valorizar coisas que geralmente são considerada ruins. em suma, um site de cinema para machos.

http://www.interney.net/blogs/1milhao/

Amor de pombo

- Pombos se beijam?
- Oi?
- Eu perguntei se pombos se beijam.
- Por que isso agora?
- Ah, vi dois se beijando esses dias.

E lá estavam eles de novo. Ele mantinha a cabeça encostada no colo dela e olhava o céu azul do parque. Ela, por outro lado, só tinha foco para o rosto dele, cujos olhos se contorciam para encontrar os olhos dela enquanto falavam sobre amenidades.

- Sério? - completou ela.
- Sérissimo. Tava andando na rua quando vi um grupo de pombas. Duas se beijavam.
- Mmm. Devem se beijar. Da onde viria a expressão "os dois pombinhos"?
- Faz sentido.
- Viu?
- Mas será que existe amor entre eles?
- Entre pombos? Acho que não, né?
- Por que não? Eles se beijam por beijar?
- Talvez.
- Injusto.
- Injusto? Por que injusto?
- Porque é injusto o pobre pombo beijar a pomba e entre eles não existir nada.
- E?
- E o amor, como fica?
- O amor, querido, não existe.

E viu o brilho dos olhos dele se fechando com as pálpebras, que tremiam levemente. Só teve tempo de curvar o corpo para dar-lhe um beijo, como quem reafirma, sem palavras, o que foi dito anteriormente.

Por Julio Simões, em 10 de fevereiro de 2008.

Enfim, a glória!

É isso mesmo, caro leitor e estimada leitora. Este que vos escreve, Julio Henrique Silvestre Simões, acaba de saber que ganhou seu primeiro concurso de literatura!

Explico: era tarde da noite de um domingo, mais precisamente duas horas da manhã (!), quando uma amiga (obrigado, Camila!) me indicou o blog do jornalista e fanfarrão Xico Sá.

Por lá, acabei descobrindo um concurso de contos em portuñol selbagem, uma anomalia da fusão fronteiriça entre português e espanhol, bastante difundida pelas bandas da tríplice fronteira.

Aí, incentivado por ela, decidi exercitar meu portuñol selbagem, que estava esquecido desde a viagem realizada há um ano para Buenos Aires, e criei o conto "Ito, el cabrón del diminuto".

Depois de enviar o e-mail, fiquei no aguardo. E nesta quarta-feira, dia 20 de fevereiro de 2008, acabei voltando ao blog da editora Do Bispo, que organizou a promoción, e me deparei com isto.

O fato de ser o melhor (ou seria o único?) conto em portuñol ainda me rendeu um exemplar de Caballeros Solitários Rumo ao Sol Poente, nova obra de Xico Sá, lançado em novembro do ano passado.

Emoções à parte, a vitória no concurso me fez repensar a pausa dada a este espaço. Já vinha pensando em voltar, como fiz da outra vez, mas ainda era uma idéia preliminar. Agora, é definitivo. Eu voltei.

ps. Contatos para entrevistas, perfis pessoais, reportagens especiais e projetos de biografia somente pelo e-mail juliohss@gmail.com. Obrigado pela atenção.

Fechado para balanço

Voltamos em breve - ou não.

Perdas e danos

Tenho tido sonhos estranhos recentemente. Esses dias perdi meu emprego, com direito a chefe indo em casa para falar com a minha mãe (!). Hoje eu perdi meu aparelho dentário, com direito a mesma sensação de perder os dentes (!!). E agora? O que eu vou perder essa noite, quando for dormir?

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São 16h44, mas isso pouco importa. Eu não sei aonde eu estava com a cabeça quando criei a primeira expectativazinha de ir até lá com você. O fato é que não fomos. E por N motivos, todos questionáveis a meu ver. Só que eu resolvi seguir o combinado e fui aonde íamos.

E em tudo, meu Deus!, só via você. Almocei com a minha blusa e o celular, do qual eu esperava o toque que não viria. Engoli a comida (rápida, diga-se de passagem), dispensei o café e pus-me a andar pela rua.

Na livraria, via seus olhos brilhando na seção de DVDs, suas explicações sobre livros que nem ousaria olhar se não te conhecesse. Até no comentário "vamos, amor, vai começar o jogo", de um senhor do meu lado, eu te vi! É a frase típica do teu pai, lembra? E as revistas italianas? Também as vi nas suas mãos.

De volta à rua, via suas risadas sempre espontâneas sobre meus comentários dispensáveis. Suas observações sobre eu fazer jornalismo e você outra coisa. Suas interjeições deliciosas em cima de qualquer assunto. Suas sacadas inteligentes que eu sempre quis ter.

É, eu sei. Não tinha que ser assim. Eu devo ter transparecido meu desconforto para o resto da rua, já que todo mundo insistia em me olhar diferente. Confesso que eu torci para você me surpreender e aparecer do nada. Linda, adorável, única.

Mas não: segui sozinho. Evitei barracas, turistas, ambulantes, mendigos, transeuntes. Só queria chegar em casa, mesmo que tivesse a certeza de que não te veria por lá. É, eu não consigo perder algumas pessoas. E hoje, além do sol que já se põe lá fora, sinto que perdi um pouco de você.

Por Julio Simões, em algum domingo triste do meio do ano passado.