Marabá: Primeiros problemas

Depois de ter a idéia mais consistente até aqui para o TCC [leia aqui o primeiro capítulo], passamos a outra ação tão importante quanto a definição do tema: a escolha do professor-orientador do projeto experimental. Neste ponto, Maurício e eu concordamos em convidar Luis Mauro Sá Martino para a função.

E o então futuro orientador foi colocado à prova logo no primeiro encontro oficial. Como tínhamos outra idéia concorrente (livro-reportagem sobre o Retiro dos Artistas), resolvemos pedir a opinião do professor, que precisou de apenas alguns minutos para decretar a "vitória" da proposta do Cine Marabá.

Assim, com orientação definida e proposta ganhando força, passamos a procurar informações sobre a sala de cinema para comprovar - ou não - a viabilidade do livro-reportagem. Porém, foi quando as pesquisas começavam a consolidar a idéia e a minha empolgação aumentava, que os primeiros problemas vieram à tona.

O baque inicial se deu com a repentina viagem do orientador para a Inglaterra, onde passaria um ano realizando um pós-doutorado. À princípio a ida do professor ao exterior era apenas um boato ouvido nos corredores do prédio 900 da Paulista. No entanto, a informação acabou sendo confirmada tempo depois.

Eram férias de fim de ano, e o "sumiço" do orientador acabou provocando outra decisão que mudaria os rumos do projeto então embrionário. O companheiro Mauricio, profundo conhecedor do jornalismo econômico, acabou decidindo deixar o barco para integrar um TCC sobre etanol. Estava instalada a crise.

(continua no próximo capítulo)

A velhinha, o moço e o Gato Preto

A história não aconteceu no curto espaço entre o 12° andar do meu prédio e a rua, mas foi como se fosse. Na verdade, o diálogo se passou no supermercado que freqüento, na rua Pamplona, quase na esquina com a alameda Santos. Enfim.

Sábado de sol em São Paulo. Resolvo ir de bermuda e chinelo até o mercado comprar coisas para um almoço digno de um dia ensolarado e feliz. Ando pelas prateleiras em busca de comida, compro nhoque congelado e acessórios para exercer meu lado chef e, como quase sempre, decido dar uma passadinha pela seção de vinhos.

Eis que, enquanto olhava as opções mais "em conta" do charmoso espaço vinícola do mercado, sou abordado por uma velhinha, que tinha em mãos um iogurte Vigor.

- Moço, você enxerga bem letras pequenas?
- Sim, claro.
- Então veja aqui pra mim a validade, por favor.
- Hm, 30 de maio de 2008. Pouco mais de um mês, senhora.
- Ah, obrigada...

E seguiu empurrando seu carrinho de compras pela congelante seção de frios. Voltei, então, a minha análise (de preços, diga-se de passagem) dos vinhos à disposição. Quando estava prestes a pegar um argentino de Mendoza, que saia por amáveis R$ 9, 90, ouvi a voz fina, rouca e baixinha de novo.

- Olha, tem um vinho chamado Gato Preto que é ótimo, viu.
- Oi? Ahn, Gato Preto?
- É, sim.
- Parece que aqui não tem...
- Num sei. Mas ali na Brigadeiro Luiz Antônio eu sei que tem.
- Ali no Extra da Brigadeiro?
- Não, não. Numa adega, que fica na Brigadeiro, ali entre a Itu e a Jaú. É boa, dá pra ir de carro, tem estacionamento...
- Ah, sim. Vou procurar.

E quando olhei para o lado, a velhinha já estava no fim do corredor, empurrando seu carrinho de compras. Arrisquei um "obrigado, viu" baixinho, que obviamente não foi ouvido, e segui analisando economicamente os vinhos. Eis que, correndo os olhos pelas prateleiras, avisto um Gato Preto, em letras quase garrafais - com o perdão do trocadilho, meus caros.

Aí não teve como evitar. Peguei o vinho, que é chileno e, no caso, tinto tipo Carmenère. Analisei o preço: R$20. Voltei a olhar a prateleira, o vinho, a prateleira, o vinho. Mais pra cima, enxerguei um Cabernet Sauvignon. Pronto, pus na cestinha e saí pensando na velhinha...

Serviço:
Pra quem se interessar pela dica da velhinha, o Pão de Açucar oferece o Gato Preto. Dá pra comprar pela internet bem aqui.

André e o tempo

André sempre foi bom em criar boas histórias. Fantásticas ou não, sempre teve o dom do "começo, meio e fim".

Quando pequeno, a mãe costumava dizer que elas eram mentiras - a não ser as que envolviam dragões e princesas, que eram óbvias.

Quando moço, as moças costumavam dizer que elas eram falsidade - as que envolvessem amor, talvez fossem mesmo.

Quando adulto, os amigos do trabalho costumavam dizer que eram uma forma de persuasão - ao menos algumas serviam para convercer terceiros.

Um dia, porém, André parou de criar boas histórias. As poucas que criava eram ruins - "uma bosta", definia - e elas ainda o fizeram sentir uma coisa nova.

Barriga? Não, preguiça mesmo. Desde então, é raro quando ele profere uma história. E quando acontece, quase sempre vira bolinha de papel.

Marabá: O início

O natural é que as coisas comecem do início. E é por isso que desde já resolvi contar, por meio do despojo, a minha saga na apuração do projeto experimental de conclusão de curso, também chamado pela temida sigla TCC. No meu caso, um livro-reportagem sobre as histórias do Cine Marabá, sala de cinema inaugurada na década de 40 que fica no centro de São Paulo, quase no famoso cruzamento entre a Ipiranga e a São João.

E como falamos em começo, vale começar a contar esta história do ponto em que surgiu a iniciativa. Em 2007, eu e Mauricio Martins, com quem dividia a responsabilidade da missão, tivemos alguns insights sobre o projeto experimental. Que tal um livro sobre o cotidiano dos correspondentes brasileiros no exterior? E um documentário sobre a Transiberiana? Ah, e um livro sobre a evolução da produção de etanol no Brasil? Enfim. Idéias não faltaram, embora nenhuma dessas tenha sido escolhida, por uma série de fatores que viriam a seguir.

Outubro de 2007. Se minha memória não falha, foi neste mês em que um encontro definitivo aconteceu. Tinha acabado de ler um daqueles jornais descartáveis grátis e pensado em uma pauta interessante para uma revista de cultura, talvez. O que havia me chamado a atenção era o fato do centro de São Paulo, antes famoso por abrigar boa parte da vida cultural da metrópole, tinha apenas um cinema representado no guia de programação dos jornais.

Sabe aquela seção do jornal que você recorre para saber o melhor horário e local para pegar aquele cineminha? Então. Já reparou que ele é dividido em algo próximo a Bairros, Shoppings e Centro/Jardins. Esta última classificação foi o motivo que me fez pensar. Nela, só havia as salas de cinema da região da av. Paulista e arredores, além do velho Cine Marabá, o "último dos moicanos" do Centrão. O que, no mínimo, seria tema para uma reportagem.

Naquele mesmo dia, o encontro que definiu tudo se deu nos corredores da Faculdade Cásper Líbero. Depois de explicar a idéia da pauta e lamentar que "infelizmente eu não trabalho em uma revista para propor isso" para a companheira Juliene, que na época era cotada para integrar o grupo, ouvi a grande questão. "Por que você não faz o TCC sobre isso?", disse ela, quase que concluindo que 2 + 2 são 4. Bingo! Desde então, não tive mais dúvidas de que seria isso. Só não sabia dos percalços que enfrentaria ainda no começo...

(continua no próximo capítulo)

Curtas

* Que Vampeta que nada! A culpa do rebaixamento do Juventus, que aconteceu recentemente, foi minha. Havia prometido comparecer a Rua Javari para emprestar o meu pé quente ao time da Mooca, mas compromissos profissionais me impediram. Resultado? Moleque Travesso na Série A-2 do Campeonato Paulista de 2009. Infelizmente.

* A enquete sobre o post 7list ainda não acabou, mas surpreendemente - pelo menos para mim - o Ira! vence. Com três votos apenas, a ex-banda de Nasi e Scandurra supera os ingleses desconhecidos do The Wombats, que tem dois votos. Na seqüência, aparecem os veteranos do Cake e a novata Mallu Magalhães, ambos com um. Ao todo, apenas sete votos computados. Eu esperava mais, confesso. Mas ainda há tempo, basta votar na barra lateral à direita.

* Estive em Promissão neste fim de semana e coloquei frente a frente minha mãe e o texto "O engradado e a fila", que ainda não teve a nota divulgada. Antes, ainda na mesa do cafe da tarde, contei a ela que tinha escrito um texto para a faculdade abordando o início da vida escolar. Ela riu antes mesmo de eu citar qual era a situação escolhida. Aliás, ficou rindo antes, durante e depois de eu ler o texto para ela. Primeiro lembrando da situação, depois por eu ter confundido garrafa com engradado, que na verdade é onde são guardadas as garrafas! Enfim, todo mundo me entendeu, mãe!

* Só para ficar o gostinho, estou preparando dois posts para os próximos dias. Um conta o começo da minha aventura no projeto experimental de conclusão de curso. O outro é a tentativa de reconstruir o belo "Alice no País das Maravilhas", meu último livro lido, de uma forma mais boba e, digamos, gastronômica. Como diz o tio Silvio Santos, aguardemmmm!

Sunday morning

6h20. Ela levanta na ponta dos pés, sem pudor de desfilar pelo quarto ainda toda nua. Contorna a cama, calça os chinelos uns quatro números maior e segue para o banheiro. Ela é simplesmente a melhor visão para um domingo de manhã. As curvas do corpo, o balançar dos quadris, o cabelo desarrumado sobre o resto. Tudo nela parece ter um único propósito: encantar.

6h40. Ela sai do banheiro, veste apenas o roupão. Parada, me observa na cama. Sinto uma respiração relaxada, beirando a felicidade plena.

6h50. Ela volta ao quarto - havia saído - e vem até o canto da cama. As mãos, macias e frescas, tocam as minhas costas. Eu arrepio, ela percebe, eu finjo dormir.

7h20. Ela volta a sair do quarto, desta vez em disparada. O roupão que a cobria voa, o que me lembra uma fada voando pelo céu azul.

7h30. A surpresa: linda, ela volta ao quarto com uma bandeja, com café e torradas - afinal, era só o que havia nos armários. Esfrego os olhos fingindo não acreditar. O sorriso dela reluz no quarto todo.

7h50. Já deitada ao meu lado, ela se assusta e diz a frase mais temida: "preciso ir". Silêncio.

8h10. Com passos de dança quase ensaiados, ela se troca, pega as chaves e a bolsa. Um beijo com gosto de pasta de dente e a certeza que a felicidade existe, mas que infelizmente não é para sempre.

Por Julio Simões, em 26 de fevereiro de 2008.

O engradado e a fila

Sempre quando relembra esta história, minha mãe abre um sorriso e conclui para quem ouve que eu sempre fui assim, certinho demais. A cena, que ela adora relembrar em datas comemorativas e outras confraternizações em família, aconteceu provavelmente em 1993, quando eu tinha apenas sete anos de idade. Era a primeira vez que encarava um colégio grande, com pessoas estudando da primeira série do primário até o terceiro colegial. Tanta gente que, nos intervalos, era quase impossível fugir de fila em bebedouros, banheiros, merenda e cantina.

Depois de alguns dias freqüentando uma das salas da primeira série do ensino fundamental, porém, minha mãe conta que eu comecei a reclamar da cantina. Insistia que não queria comer mais lá, mas não justificava. Porém, com aquele jeitinho só as mães têm com os filhos, ela conseguiu descobrir o motivo da minha insatisfação: as filas. "Mas o que tem as filas, filho?", provavelmente indagou minha mãe. "Demoram muito, mãe", certamente respondi.

Porém, a desculpa não satisfez minha mãe, que continuou desconfiada com o que estava me fazendo desistir de comprar um salgado e um refrigerante na cantina da nova escola. Passaram-se alguns dias até que ela resolveu novamente perguntar sobre meu problema com a lanchonete do colégio. "Filho, por que você não gosta da fila da cantina? Tem alguém te perturbando?", arriscou. "Não, mãe", respondi a seco, como toda criança pequena que não sabe explicar direito qual o problema.

Mas minha mãe não desistiu. "Filho, me conta como você faz no recreio. Você sai da sala e vai direto para a cantina?", perguntou ela, tentando outra forma de abordagem. "Isso. Saio da sala, vou para a fila da cantina e compro um enroladinho e uma Coca", respondi, dando maiores detalhes daquilo que, na época, era praticamente uma aventura para mim. "E só?", reforçou. "Depois eu entro na fila de novo para devolver a garrafa da Coca, mãe. Só que demora muito. Não quero mais", revelei.

Pronto. Estava solucionado o enigma: duas filas por dia me faziam perder todo o intervalo. Minha mãe, que toda vez se diverte com a história, sempre complementa no final, até quando repete o caso hoje. "Esse menino era muito certinho na época, né?", finaliza, com um sorriso largo de orgulho pela boa criação do menino. Sim, mãe. Até hoje eu sou meio certinho assim, apesar de não entrar mais em filas para devolver engradados de refrigerante.

Por Julio Simões, em 3 de abril de 2008.

ps. O texto acima é um trabalho da faculdade. Quando sair a nota, atualizo.