Elevador

Ela tinha o andar elegante de uma velha modelo, embora nunca tenha sido nem velha, nem modelo. O que dava charme à moça de pouco mais de 20 anos, porém, não era apenas o andar, o florido vestido, a bolsa estendida no braço esquerdo e a sandália que exibia a delicadeza dos pés. Eram os longos fios de cabelos ruivos.

Não havia como negar que o fato dela ter o cabelo de cor entre o vermelho fogo e o laranja fruta era o que chamava a atenção. O jeito de olhar era outro destaque. Nem tão direito, nem tão disperso. Sexy, quando possível. E a boca? o que dizer da boca? Os lábios dariam um capitulo à parte caso ela fosse um livro. Se fosse, seria um daqueles romances açucarados, com certeza.

Piiiiiiiii. O som do elevador alcançando o andar o fez parar de descrever mentalmente aquela desconhecida. Antes de sair, ela ainda olhou para trás, como quem tivesse ouvindo toda aquela ode e agora agradecia. Desceu ela, ficou ele. E Ricardo pensou como era ruim ser apenas um sonhador...

Por Julio Simões, em 29 de maio de 2008.

Deja-vù

Era só o que faltava: minha falta de inspiração se aliou ao azar. Saí do banho, local onde eu tenho as melhores idéias do dia, já determinado a parar com essa enrolação de textos que virou o despojo. Tinha a idéia na cabeça, que se equilibrava bem entre o saudosismo e a fase atual. Pior: tinha até título! ("Às origens", diga-se de passagem).

A analogia era excelente, mas algo me dizia que eu já tinha escrito isso em algum lugar. Aí veio a apuração. Bastou digitar as palavras-chave no google e... bingo! Lá estava o texto, sensível e completo, como eu gostaria de escrever. Sem tirar nem por uma vírgula - ok, eu mudaria o final agora, mas enfim.

Aí pensei: se eu já escrevi, por que não reeditá-lo aqui? Pois então fique à vontade para lê-lo enquanto eu tiro um cochilo das letras...

Eu, cá com meus botões

Vazio

Eu ia escrever um conto triste, como são quase todos os meus.

Até comecei a idéia, que parecia boa, mas parei logo no primeiro parágrafo e não consigo mais continuar. Me sinto meio vazio. Não entendo essa minha falta de força para a criação.

Acho que vou dormir. Boa noite.

Desolè

Já estava com 32 anos e nenhum rumo na vida. Naquele dia, especificamente, sentou-se no sofá já carcomido e empoeirado para ler o jornal da semana anterior. Não tinha forças sequer para buscar uma xícara de café frio na cozinha, onde os pratos, copos e panelas já disputavam espaço a tapa. Não tinha nem vontade nem de ir até o banheiro de azulejos azuis e encanamento enferrujado. O único caminho que fazia era da poltrona ao colchão, estendido no centro da sala, em meio a jornais velhos e contas a pagar. Era fato: já estava com 32 anos e nenhum rumo na vida.

Por Julio Simões, em 13 de maio de 2008.

Despedida

A decisão não foi fácil, mas foi tomada. Depois de dois anos, quatro meses e nove dias, estou deixando a GE.Net para me dedicar ao TCC e me arriscar em uma nova área (revista de tecnologia). Durante este tempo todo, tive a oportunidade de conviver e aprender com profissionais competentes e pessoas maravilhosas, que fazem deste 12º andar da Fundação Cásper Líbero um dos melhores ambientes de trabalho que eu devo ter freqüentado. Pretendo não me estender muito nessa carta, mas gostaria de agradecer a todos que me ajudaram a crescer como jornalista e pessoa.

Nominalmente (e assumindo o risco de esquecer alguém, a quem já peço desculpas), agradeço ao editor Erick, aos sub-editores Beggo, André, Lau, Nara, Raul, Pierre e Cezar, aos repórteres Marta, Carol, Amaral, Celinho e Fini, aos amigos estagiários Mané, Pedro, William, Felipe, Eduardo, Danilo, Gustavo, Rafael, Henrique, Amanda e a tantos outros que já saíram, além de Toninho, Othon, Willians e Erasmo, assim como todo o pessoal da arte, da foto, do design e do transporte. A todos estes, meu muito obrigado.

Saibam que eu vou sentir muita falta das brincadeiras, das discussões de futebol, das propagandas decoradas da rádio Globo, das pizzas de quarta-feira, dos momentos tensos de fim de rodada, do bordão ‘boa, Juninho’, dos novos métodos motivacionais do Raul, das provocações de folga com o Fini, das imitações do Othon, das regras de jornalismo revolucionárias e das provocações injustas do William, das tentativas frustradas do Mane em me reconciliar com o ‘desafeto’ Shrek, enfim. Estas são só algumas das coisas boas que eu vou levar daqui.

Alguns eu consegui cumprimentar pessoalmente antes ou durante este domingo, mas a maioria não. Mesmo assim, gostaria de abraçá-los por este e-mail. Torço por todo mundo que faz deste lugar o ‘melhor site de esportes do Brasil’, como sempre nos lembra o logo da GE. Desejo um bom trabalho daqui para frente e espero que esta carta não seja um adeus definitivo, mas sim um até logo. Prometo visita-los sempre que possível. E, mais uma vez, obrigado por tudo.

Julio Henrique Silvestre Simões

info: o e-mail foi enviado aos meus agora ex-colegas de trabalho, aos quais serei sempre grato.

Saldo

Muita gente já sabe que eu não gosto muito de fazer aniversário. Não pelo motivo tosco da Glória Maria, que esconde até de si mesmo a idade e usa mil creminhos para evitar qualquer princípio de ruga, mas pelo simples fato de que eu não gosto de ser o centro das atenções.

E o dia do seu aniversário é o momento em que a Terra para de girar em torno do sol e começa a rodar ao seu redor. Mesmo assim, vale registrar alguns acontecimentos curiosos - ou não - que tornaram o meu dia menos comum e mais, hmm, aniversarioso.

- 37 scraps de aniversário, sendo um no dia 6 e outro no dia 8, número que me fez chegar, assim como o Romário, ao número 1000 na carreira (parabéns ao Zé, meu primo, que provavelmente sem querer registrou o milésimo). ah, detalhe: curioso como tem gente (2) que não tem certeza do parabéns e reescreveram seus recados comemorativos...

- 4 torpedos sms de aniversário, o que prova que a tecnologia ganha espaço até na hora de parabenizar. O engraçado é que até a minha mãe aderiu a este formato para desejar saúde, felicidade e realizações a mim. Ela ligou depois, à noite, mas o primeiro sinal do dia foi mesmo via celular.

- 12 ligações de aniversário é o número que eu conclui tentando lembrar quantos me ligaram para ouvir minha bela voz agradecendo a tudo que era falado do outro lado. O meio mais tradicional é o mais utilizado por pessoas próximas que estão longe, caso do meu pai, minha mãe, meus avós e velhos amigos de outrora.

- 19 abraços de aniversário foram recebidos, apesar dos números serem tão imprecisos quanto os de ligações recebidas. Neste caso, não importa quem era. Só o fato de estar disposto a me parabenizar já vale. Como recompensa, todos receberam uma cara de constrangido/envergonhado.

- 5 comentários de aniversário foram recebidos neste despojo, muito menos do que os 11 do ano passado, quando comemorei com o post em que o Jo Soares me entrevistava. Até hoje este texto é lembrado e mantém o recorde de comentários em um só post. Mas desta vez eu entendo a baixa audiência, afinal publiquei algo mais subjetivo e menos criativo.

Enfim. Estes são alguns números do meu dia 7 de maio. A frieza do número pouco me importa, mas eu fico feliz e agradeço à todos que lembraram. Não teve bolo (preferi um alfajor Havanna), nem parabéns (ainda bem!), mas foi um dos aniversários mais ideais que eu já passei até aqui. E que venha o ano que vem, então!

Tempero

Eu tive medo quando fui andar de cavalo pela primeira vez, e tremi muito quando ele inventou de dar uns trotes. O mesmo medo de quando eu vou, nem que seja para acompanhar, a um parque de diversões.

Eu tive medo em mudar de escola pela primeira vez, da mesma forma quando encarei meu primeiro dia na faculdade. Certamente o mesmo medo que tive quando sai de casa para fazer cursinho em outra cidade.

Eu tive medo quando precisei bater um pênalti decisivo na final de um torneio de futsal, exatamente o mesmo sentimento frio que me corrompeu por dentro cada vez que eu precisei encarar uma piscina para competir.

Eu tive medo quando avistei um cachorro e conclui que ele iria correr atrás de mim. Esse medo ainda reaparece toda vez que um cão, mesmo que apontado pelo dono como bonzinho, resolve vir me conhecer.

Eu tive medo quando fui escolhido para ser orador da minha turma do prézinho. Apesar de bem alfabetizado na época, o calafrio de falar em público e em um microfone é o mesmo de uma entrevista de emprego.

Eu tive medo de pedir demissão do meu primeiro emprego, mesmo após três meses longos e desgastantes. A mesma coisa aconteceu esta semana, quando precisei comunicar minha saída ao chefe.

Estas são apenas algumas das inúmeras situações que me dão medo - as que eu me lembrei. Não foram as primeiras, nem as últimas. Todas elas, mínimas ou máximas, tem origem na mudança, o verdadeiro motivo da aflição.

Hoje, 7 de maio de 2008, completo 22 anos de vida. Toda vez em que mais um ano termina para mim, eu tento olhar para trás e ver o que eu fiz, o que eu faço, o que farei. Pouca coisa muda, mas eu sempre me satisfaço.

Eu tenho medo de mudança. Fato. Só que desta vez, mais do que nunca, o dia em que completo meu 22º ano de vida, cai exatamente no meio de um período em que eu tenho tomado decisões e definido rumos para o futuro.

Vou deixar meu emprego de quase dois anos e meio. Vou trocar de área no jornalismo. Vou mudar minha rotina. Vou mudar boa parte das pessoas com quem eu convivo diariamente. Vou encarar sozinho a construção de um livro.

Eu tenho medo. O mesmo de quando andei a cavalo, fui a um parque, estreei na escola e na faculdade, saí de casa, bati um pênalti, nadei, corri de um cão, fui orador e avaliado para um emprego, pedi demissão. Talvez seja essa a graça da vida.

Falso filme

Antes de mais nada, caro leitor, faça comigo um esforço de imaginação. Faz de conta que você é um diretor famoso, tem nome e história no cinema nacional, vem daquele tempo em que as produções eram realmente toscas e, de um tempo para cá, passou a fazer filmes carregado de significado e cultuados por poucos. Um certo dia, pode-se dizer, você tem a idéia de fazer um filme tosco, ao molde das comédias antigas italianas e com pitadas das velhas (porno)chanchadas - que você, caro diretor, tanto conhece. Pois bem. Aí, para fazer um filme B que se preze, você decide convocar um elenco totalmente B.

E não precisa ser criativo. Junte um cantor romântico em baixa (Mauricio Mattar), uma ex-reboladora de programa de auditório (Suzana "Tiazinha" Alves), uma personagem bonachona de programa de fofocas (Mamma Bruschetta a.k.a Luiz Henrique Pinto), um transformista e projeto de político (Léo Áquila), um galãzinho de novela das sete (Cauã Reymond) e ainda, como protagonista, a filha do reitor de uma universidade pública do DF acusado de abusos com dinheiro público (Rosane Mulholland). Ah, chame também alguém do perfil para a trilha sonora - no caso Paulo Ricardo, aquele do olhar 43.

Pronto. Com tanto talento reunido, mãos à obra. Capriche bem nas cenas, tornando-as longas e repetitivas, mas não esqueça do humor - brega, preferencialmente - para deixar o filme suportável. Invista também em sexo, afinal estamos falando de um filme nacional. Coloque gente pelada, de preferência nas mesmas cenas engraçadinhas e toscas. E a história do filme? Pra quê, meu Deus! Tudo isso já não estã bom? E outra: depois de tanta cena musical sem-noção você vai ver que filme já vai parecer ter quatro horas, e aí já seria tarde demais pra pensar em trama.

Enfim. Exageiro e preconceito meu à parte, o novo filme de Carlos Reichenbach, Falsa Loura, é basicamente isso. Você demora para entender porque as coisas acontecem no filme, se cansa com as longuíssimas cenas musicais pouco úteis que são recheadas pelo melhor da inédita música brega e ainda sai do cinema com a sensação de que a intenção era zombar com a sua cara e/ou tentar criar um movimento neo-boca do lixo. Porém (porque tudo na vida tem um porém), o filme tem uma qualidade: o elenco. Afinal, como não rir cada vez que um dos atores destacados acima entra em cena? Só isso já vale o ingresso.