Tudo o que não podia ser

Sentiu o gosto amargo na boca logo depois de soltar o telefone. As palavras do outro lado da linha, molhadas e soluçantes, o haviam golpeado. Estava no chão. E mesmo assim mantinha-se de pé, ao lado do aparelho em pedaços, jogado no piso de madeira. As horas que passaram juntos, as cartas, os carinhos, o buquê de flor nas datas improváveis. Tudo aquilo estava agora jogado no ralo sujo, indo rápido ao esgoto úmido. O golpe era fundo, ao centro e definitivo.

“Não ligue mais”. Foi a única coisa que conseguiu pensar depois de ouvir o trágico “foi só um beijo” da boca dela. E mesmo assim estava ali, imaginando ela novamente. Era só isso que fizera nos últimos cinco dias. Desde então, o tempo passava e ela não o deixava. Pensou por um mês na figura que havia construído e que o telefonema destruira.

“Cinco meses e como ela estará”, perguntou a si mesmo olhando o teto. Torceu o pescoço ao aparelho no chão e encarou-o por longos minutos. Um ano e o telefone, enfim, toca. Insiste, insiste, insiste. Ele não atende e segue a vida. Tudo aquilo fora fundo, ao centro e definitivo.

Julio Simões – 12 de janeiro de 2007

2 comentários:

Anônimo disse...

Resolvi clicar no ícone Ficcao? do seu blog, e me apareceram varios posts considerados de ficcao, que eu nao tinha visto. Li esse, por acaso, e gostei! Diz mto sem mtas palavras.
Quem sabe um dia, por acaso, vc leia esse comentario... hehe

Tambem exercitarei meus contos semi-ficticios, pode deixar...

beijos

Anônimo disse...

(alias, so nao concordei com o titulo)