Ex

Fazia tempo que a gente não se via. Foi num supermercado que nem eu, nem ela frequentávamos.
- Rodrigo?
- Lívia!
E sem hesitar, os corpos se aproximaram, mas só os rostos se tocaram. E de leve.
- Há quanto tempo!
- É... há quanto tempo...
- Você parece desanimado, Rodrigo?
- Desanimado? Talvez.
Ela nunca me chamou de Rodrigo antes. No começo, era Assunção, o sobrenome, mas depois da festinha em que passamos uma hora agarrados no banheiro, passei a ser apenas Rô para ela. Agora, voltei ao status de Rodrigo.
- E como estão as coisas, hein? - perguntou ela, com aquele olhar lindo de curiosidade que só ela tinha.
- Ah, vou seguindo.
- Ainda na revista?
- Não. Deixei a vaga há oito meses. Estou escrevendo um livro agora.
A resposta saiu seca, de sopetão. Foi a única coisa que eu consegui dizer, quando na verdade queria falar "É, Lívia, desde que você foi embora, minha vida virou um inferno. Não deixei a vaga, fui demitido. E não tem livro nenhum, eu tô desempregado mesmo". Não disse nada disso, claro.
- Hum, pena. Mas tomara que dê certo então. Quero ler, hein! E não me deixa fora do lançamento, querido!
- Ah, pode deixar. Ainda devo ter seu telefone registrado no celular.
E tinha o celular, o telefone da casa, da casa da avó dela, o endereço, o e-mail, e até as referências para chegar à casa de campo. Todas na memória.
- Então tá, Rô. Me liga quando quiser, tá?
Confesso que o Rô me balançou, mas não havia mais nada a fazer. Eu queria, ela não.
- Tudo bem, Lívia. Ligo sim.
E os dois saíram com a sensação de que o próximo encontro só daqui uns mil anos. Quem sabe num desses supermercados que nenhum dos dois frequenta.

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Fazia tempo que a gente não se via. Foi num supermercado que nem eu, nem ele frequentávamos.
- Rodrigo?
- Lívia!
E sem hesitar, os corpos se aproximaram, mas ninguém teve coragem de tirar as mãos do carrinho de compras. Tive que tomar a iniciativa.
- Há quanto tempo!
- É... há quanto tempo...
- Você parece desanimado, Rodrigo?
- Desanimado? Talvez.
Apesar da coragem em abordá-lo e de toda a iniciativa, não consegui chamá-lo de Rô, o apelido carinhoso que mantive por quase dois anos. Afinal, há dez meses havíamos brigado e ele quase me agrediu. É, acho que foi melhor chamar de Rodrigo mesmo.
- E como estão as coisas, hein? - perguntei a ele, que mais parecia imerso num mundo paralelo. Ele sabe que eu adoro essa cara de contemplação, claro. E esses lindos olhos verdes, então! Canalha.
- Ah, vou seguindo.
- Ainda na revista?
- Não. Deixei a vaga há oito meses. Estou escrevendo um livro agora.
Ah, tá. Um livro!?! Ele nunca termina nada na vida e acha que agora vai conseguir lancar um livro?? Pfff. É essa falta de ação dele que me deixa puta, sabe? E pensar que foi por isso que brigamos...
- Hum, pena. Mas tomara que dê certo então. Quero ler, hein! E não me deixa fora do lançamento, querido!
- Ah, pode deixar. Ainda devo ter seu telefone registrado no celular.
Se ele ainda tinha, eu não sei. Só sei que eu ainda tinha o dele. E quase liguei duas vezes. Tempos de crise, né?
- Então tá, Rô. Me liga quando quiser, tá?
Droga. Rô não! Burra.
- Tudo bem, Lívia. Ligo sim.
E os dois saíram com a sensação de que o próximo encontro só daqui uns mil anos. Quem sabe num desses supermercados que nenhum dos dois frequenta.

Por Julio Simões, em 23 de outubro de 2007.

5 comentários:

Anônimo disse...

Pena que eu sei que sou um Rodrigo, e que minha Lívia deixou claro que não quer ser Lívia.

Pelo menos não nos próximos mil anos.

Anônimo disse...

E não há nada pior que um reencontro com uma ex de quem ainda se gosta... Quem nunca passou por isso atire a primeira pedra, hehehe.

Genial!

Camila Dayan disse...

Fantástico. Adorei! É sempre bom ter e ver as duas versões.

Gostei muito da descrição de chamar de Assunção e depois de Rô. O meu Rodrigo eu tbm chamava pelo sobrenome e depois eternizou-se Rô, rs

Adoro coisas, assim, cotidianas.

Beijo

Sarah disse...

gostei, Júlio! só as datas que ficaram confusas... 8 meses? 2 meses?

Anônimo disse...

Lindo!!
Ótima idéia, Julio, maiores desenvolvimentos das duas histórias seriam bem vindos - e valeriam a pena, na minha opinião.