Por um fio

31 de março de 1964. Sob a justificativa de um iminente avanço comunista no Brasil, os militares decidiram pela interrupção do governo do então presidente João Goulart (mais conhecido como “Jango”) por meio de um golpe de estado. A partir daí, o país viveu uma dos períodos mais complicados de sua história, em que a perseguição implacável aos apontados como “simpatizantes ao comunismo” e a repressão aos órgãos de imprensa eram práticas comuns.

O golpe, no entanto, não foi algo repentino. O contexto internacional da Guerra Fria – disputa silenciosa entre Estados Unidos e União Soviética, nações posicionadas a favor do capitalismo e do comunismo, respectivamente – e as tendências esquerdistas de Jango ajudaram a construir um cenário propício para o golpe.

Porém, o início da derrocada do regime se deu anos antes, em 1961, quando o presidente Jânio Quadros renunciou ao cargo alegando a pressão de “forças terríveis” e o vice João Goulart foi impedido de assumir por estar em viagem à República Popular da China. Neste momento, Ranieri Mazzili assumiu provisoriamente a função, mas uma campanha liderada por Leonel Brizola devolveu a Jango o direito de ser presidente. Contudo, decidiu-se pela mudança de regime político (parlamentarismo), o que acabou enfraquecendo a posição reassumida pelo ex-vice de Jânio Quadros.

Em 1963, entretanto, as pressões contra o novo regime aumentam e provocam a realização de um plebiscito para escolher entre a manutenção do parlamentarismo e a mudança ao presidencialismo. Com a vitória da segunda opção, Jango voltou ao poder, posição que ocupou apenas até o dia 31 de março de 1964. Neste dia, foi instaurado o regime militar no Brasil, que duraria até 1985, com a redemocratização alcançada pela campanha popular das “Diretas Já”.

As conseqüências imediatas do dia do golpe também refletiram em todo o país. Enquanto as tropas buscavam Jango, que se refugiava no Rio Grande do Sul, outras cidades do país também iniciavam sua “caça às bruxas”. Até mesmo a pequena Promissão, localizada a noroeste da capital São Paulo e com cerca de 20 mil habitantes na época, sofreu com a perseguição aos “simpatizantes do comunismo”.

Em Promissão, assim como em grande parte das cidades interioranas de pequeno e médio porte, era comum que se discutisse política nas mesas dos bares, em debates acalorados regados a café, sanduíches e refrigerantes. Nestes lugares, reuniam-se professores, advogados, intelectuais e estudantes, que formavam grupos de opiniões geralmente favoráveis às idéias esquerdistas (reforma agrária e nacionalização de setores da economia) e acabavam conflitando com aqueles que as rejeitavam.

Um dos participantes esquerdistas destas rodas políticas era M.*, de 29 anos. Professor de segundo grau, lecionava sociologia há dois anos em um colégio público da cidade e era casado há sete com a também professora C.*, com quem já tinha dois filhos gêmeos. O terceiro filho do casal, aliás, estava perto de nascer.

Nesta época, um núcleo do Comando de Caça aos Comunistas (CCC), formado na cidade principalmente por comerciantes, fazendeiros, sitiantes, religiosos e políticos, todos contrários ao comunismo, reuniram-se para listar aqueles que eram considerados uma “ameaça” à nova ordem. Em uma primeira “varredura”, o nome de M. figurou na lista dos promissenses ligados ao comunismo.

Logo no dia seguinte ao golpe, o grupo direitista assumiu a função policial e passou a prender os membros listados na cadeia local. Naquela tarde, o escrivão da delegacia da cidade era um dos responsáveis por localizar os listados e relatar ao grupo, para posterior prisão. Seu primeiro alvo foi, então, o clube social no centro da cidade, local de grande movimento e freqüentado principalmente por jovens.

Logo na entrada, o escrivão deparou-se com M., que o cumprimentou amistosamente. Após realizar a vistoria nas piscinas e nos bares, deixou o recinto com a missão cumprida. M., por sua vez, só ficou sabendo da onda de prisões na cidade à noite, quando passou na casa dos pais e ficou sabendo que seu irmão A.* estava entre os detidos.

Temendo ser o próximo da lista, M. ficou mais recluso do que a rotina o obrigava, principalmente porque as aulas naqueles dias foram suspensas devido a instabilidade política no município. Neste período, o professor chegou a queimar alguns livros de sociologia e política, que poderiam servir como prova contra ele caso acabasse preso pelo CCC.

No terceiro dia de perseguição, as famílias das vítimas começaram a pressionar o prefeito Antônio Figueiredo Navas pela libertação dos prisioneiros políticos. O administrador decidiu então consultar o governador Adhemar de Barros sobre esta possibilidade, indo inclusive ao seu encontro, em São Paulo. Dias depois, na volta da viagem, veio a aguardada notícia: Navas conseguira a autorização e ordenou a liberação imediata dos presos.

Com a ordem dada pelo prefeito, os ânimos se acalmaram em Promissão. O que M. não entendia, porém, era porque havia sido poupado pelos membros do CCC. Tempos depois, soube que seu nome, na verdade, havia sido riscado da lista pelo cunhado, que fazia parte do grupo de perseguidores. Tudo por um só motivo: R., a primeira filha de M., que nasceu 25 dias após o professor quase ter sido preso por comunismo.

*Esta é uma obra de ficção baseada em fatos reais. Para preservar a identidade das pessoas envolvidas, os nomes verdadeiros foram omitidos e trocados por letras.

Por Julio Simões, em 4 de novembro de 2007

1 comentários:

Anônimo disse...

Achei interessante saber como ocorreu o caça às bruxas nas pequenas cidades do interior... mas por que toda essa introudução histórica chata?
Não ficou bem claro onde vc quis dar ânfase ao seu texto: se na barbárie histórica, se no ocorrido dentro da pequena cidade promisense, ou se no história particular dos personagens cujos nomes foram trocados por letras...

Acho que é isso. Repense.
(de onde veio a idéia para esse texto?)