Noite feliz

Atingiu em minutos a rua, levemente úmida graças à garoa que caíra há pouco. As luzes do canteiro já lhe denunciavam que a época era diferente há algum tempo, mas aquela noite era "a" especial. As pessoas com quem cruzara também diziam, mesmo que por sorrisos sinceros, que era a hora. Caminhou o mais lento que podia, afinal a sensação de receber a atenção dos olhares anônimos na rua era incrível.

Não caia neve, mas bem que podia. O clima fresco lhe fez tirar ali mesmo o paletó, companheiro de cotidiano (menos sábado e domingo, quando optava por um short e ia ver o sol se pôr no Ibirapuera). As mulheres estavam mais bonitas. Todas. Os homens, menos estressados. Todos. E isso lhe deixara incrivelmente alegre.

Chegou no apartamento, cumprimentou o porteiro - que deixou de cobrar a caixinha de final de ano para desejar um eficaz "boa noite". Abriu a porta do elevador e deu de cara com uma velhinha e seu cão - inquieto, vale dizer. Na mão, um vaso de flor. Ajudou com destreza a conduzir o rebelde animal até o portão e voltou. Enfim, subiu ao 108.

Abriu a porta, secou os pés no tapete "seja bem-vindo", acendeu a luz. Ninguém. Foi à cozinha. Só os pratos sujos. Ao quarto. Só a cama desarrumada. Não havia o que estranhar, não morava com ninguém mesmo. Voltou à sala, tirou a gravata que lhe sufocava e sentou no sofá. Olhou o vazio. (...), (...), (...). Instintivo, levantou abruptamente e ficou parado, em pé. Pensou em si mesmo por alguns segundos. Correu à mesa, pegou a chave da porta e desceu novamente à rua. Foi ser feliz.

autoria: Julio Simões - data: 18/12/06

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