Nós

Imagine uma rodovia. Larga, longínqua e cheia de bifurcações. Nela, os carros vão fluindo, vindo dos diversos lados e se ligando ao caminho para formar uma nova reunião de carros. A todo momento, uns saem e se distanciam, outros entram e se aproximam. Apesar disso tudo, a rodovia sempre permanece lá, única e sozinha, apesar de diferente.

Imagine agora os vasos sangüineos - ou veias, se quiser. Aqueles que levam o sangue de uma parte a outra do corpo. Observe o caminho do ponto de vista do sangue, aliás. Este se desloca de um lado para o outro, se junta ao oxigênio e com isso se transforma, adotando e dispensando componentes. Apesar de cíclica, a mudança nunca é igual.

As metáforas descritas acima, eu sei, não servem para representar nem de longe as relações humanas e a forma com que elas acontecem na realidade, principalmente em tempos modernos. E é exatamente nesse meu erro que acerta o brilhante "Medos privados em lugares públicos", filme francês dirigido por Alain Resnais. Antes de mais nada, devo dizer que provavelmente presenciei um novo clássico - ou quase, vai - sem nem mesmo saber disso.

O filme, antes de tudo, é simples. Corriqueiro e cotidiano demais, até. São sete vidas que quase não se cruzam, mas tem quase tudo em comum. Desde a necessidade de se ligar a outra pessoa (ou figura, seja essa um lugar ou uma religião, por exemplo) até os problemas pessoais pouco combatidos e geralmente acobertados por um falso sorriso ou diálogo, ambos usados pelos personagens para manter a normalidade.

Se no começo o filme parece banal demais, é na segunda parte que ele se torna realmente um quase-clássico. As pessoas tomam consciência de suas dificuldades e buscam alterá-la, aconteça o que acontecer. Apesar do medo de cada um com relação às mudanças nas rotinas e na vida em si, todos procuram melhorar o que consideram falhas.

O ponto principal, no entanto, fica sobre as metáforas e filosofias bem abordadas nos diálogos. Neve, bíblia, cores. Eis alguns dos elementos usados para reforçar a idéia principal: as pessoas se relacionam, mas tem medos e dificuldades (principalmente em admiti-las) de se sentirem sozinhas e desprotegidas. Enfim, eu não preciso falar mais nada. É o mais puro retrato da intimidade humana que eu já vi.

3 comentários:

Milly disse...

Ah, que fantástico esse filme! Pra variar, sai de cartaz quando eu me preparo pra assistir. Droga.
É, e dizem que o Resnais era melhor na época em que fazia filmes pra ninguém entender (vide 'O Ano Passado em Marienbad'. Lembro do meu caderno do primeiro ano que eu tinha anotado com as palavras do Marco Vale: "O único filme que nunca foi digerido pela história do cinema"). hahaha sensacional.

A linguagem dele parece mais 'fácil' agora. Eu acho isso bom. Mas será que atingiu a densidade de 'Hiroshima, Meu Amor'?
Ahh, deixa isso pro próximo capítulo pq eu tô mto tiazona falando essas coisas aqui. hehe..

Beijo ;)

Anônimo disse...

(ahhhh, I still have to watch this movie! when I do, I read your post.)

(manja a quase-rotina trabalho-faculdade e a quase-falta de tempo pra programas culturais? pois é. ainda bem que sempre tem o QUASE)

(aliás, legal que o filme (ou outra coisa qualquer que eu não sei) te motivou a ir no cinema!)

chega de parênteses.
beijo.
ainda à espera do nosso futuro-domingo-passado.

Anônimo disse...

Opa! Assisti-lo-ei!

Abraço